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sábado, 22 de junho de 2024

ai, minha fama de maldito, 2

O after na casa de Pedro Fernandes estava uma bosta. Gente fumando maconha pelos cantos e fazendo aquela média com todo mundo. Artifício emocional, amizade por cortesia. Claro, como o verme que fui treinado a ser, também comia as carnes daquele enorme corpo social. Era todos sorrisos e, vez ou outra, falava alguma piada espirituosa. 

Na maior parte do tempo prestava atenção nas mulheres, como se esperasse qualquer sinal receptivo para começar um assunto que precipitasse na direção de sua intimidade. Um sorriso, uma palavra lisonjeira, um olhar ou sacudir de cabelos, tudo poderia ser um indício de que a fêmea deseja acasalar. Ah, mas o corpo social! Como é hábil em nos aproximar por motivos fúteis - os jogos de sorrisos e comentários divertidos, o mexerico sobre a vida alheia, as discussões estúpidas sobre o conteúdo pútrido que a indústria cultural nos serve de alimento... tudo isso me enoja... -; próximos por essas futilidades que somente servem para reprimir nossos impulsos selvagens e violentos, de amor e de ódio. Espreitava cada um, como se tivessem uma intenção oculta a ser desvendada... Os machos sabia que procuravam, de forma insistente e estúpida, um corpo belo para despojar as energias acumuladas durante toda a madrugada por estímulos sensoriais desregrados. E as mulheres? Seus corpos sempre reservam um quê de enigma, desde que era criancinha. Que queriam? Espiava nos rosto delas, no movimento suave do corpo, na forma com que se arrumavam e se portavam, tanto cálculo, tanta razão, mas para quê? Qual a intenção dominava a profundeza de suas máscaras? Queriam também, simplesmente, acasalar? E se queriam, por que simplesmente não se entregar de uma vez, se sabiam que todos os homens estavam a espreita? É a velha história do histerismo, não é? Desejos reprimidos, desejos que aprenderam a reprimir, e que refluem nos sintomas mais doentio... 

Me recrimino, é claro que me recrimino, por pensar como homem. Sinto culpa, a despeito de tudo que desejo. A culpa é a fábrica de um novo corpo, me expliquei, para me consolar dessas energias que imponho contra mim mesmo. O que meu pensamento de homem oculta sobre a mulher? 

Não queria pensar em mais nada. Estava cansado. Queria chegar em casa, bater uma punheta assistindo pornografia e esquecer de tudo que meu corpo me ensinou. Estava sentado em um canto afastado, pedindo um moto-táxi, quando Pedro Antunes se aproximou.

- Já vai, meu amigo?

- Está na minha hora, respondi sem tirar os olhos do celular.

Pedro Antunes olhou para um lado e para o outro, como se quisesse verificar que estávamos sozinhos. Se aproximou de mim e, mais baixo, falou em um tom de voz cuja gravidade me surpreendeu e fez com que levantasse os olhos:

- Poderia falar brevemente com você?

- Sobre?

- É um assunto delicado.

- Pode falar. 

- Você é advogado, não é? 

Imaginava que viria uma série de perguntas a respeito de instruções judiciais, coisa que já estava acostumado desde que me tornara, a uma década atrás, um estudante de direito. Não fiz questão de esconder o suspiro impaciente que soltei.

- O que você quer saber?

- Não é saber... Preciso contratar seus serviços...

- Meus serviços? Nunca exerci, Pedro. Sequer tenho carteirinha da ordem.

- É um caso especial. 

E Pedro Antunes passou ao estranho relato de como havia sido processado pelo fantasma de um filósofo inglês do século XIX. 







sábado, 15 de junho de 2024

cansaço diário

acordei tarde. a ansiedade com o horário - examino o relógio o tempo inteiro -, a insatisfação com a perda diária, infinitesimal, de produtividade - sou meu próprio chefe - certamente predispôs meus nervos a tristeza. não deu outra: abri o celular, o olho sujo de remela ainda, e uma coisa qualquer, banal e incapaz de perturbar ninguém, foi suficiente para me deixar melancólico. resolvi comer café da manhã na rua, é coisa que faço para tentar acrescentar alguma dignidade ao meu dia. lembro de que assim faziam os escritores no século XX, que imito por fantasia, já que há muito escrevi do sonho de escrever. enquanto caminho até a padaria, faço as contas: quatro e cinquenta o pão com ovo, mais quatro o café, e com certeza vou pedir outro, então doze e cinquenta. não sei porque animo essas contas fora a pretexto de me torturar, já que não controlo meu dinheiro para além de pagar minhas contas todo mês, mas faço mesmo assim. cumprimentei a garçonete, que me conhece pelo nome, pedi a comida, que estava até saborosa. conversei com um outro cliente, primeiro sobre os acontecimentos da política internacional, depois sobre os nacionais, e por fim ele me contou uma história de sua vida. era advogado, e certa vez foi preso. a história é boa, mas não quero escrever por preguiça. voltei então para casa (tudo isso durou menos de trinta minutos) e voltei aos meus afazeres de todos os dias, desde o primeiro minuto contando as quatro horas que demorariam para que pudesse fazer a pausa para almoçar os restos do jantar de ontem.

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