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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

aforismos sobre o prazer

 1. se o princípio do prazer já foi considerado o guardião da vida, a experiência da dependência química demonstra sem dar margem para dúvidas o poder mortífero do prazer.

2. a psicologia mecanicista muito habilmente confundiu a produção libidinal com simples movimentos de encher e esvaziar, como se o prazer fosse ou um gás que se acumula e depois estira, ou então, seu reverso, um estado de repouso absoluto, subitamente rompido por forças estrangeiras. mas, se como acreditamos, existe alguma verdade nessa mecânica libidinal (freud já havia falado sobre como os saculejos de um trem ou ônibus são capazes de estimular sexualmente seus passageiros), o prazer no entanto não parece nascer nem de um aumento na excitação (orgasmo), e nem de seu oposto (nirvana), muito embora possa ser produzido pelos dois. seria então mais conveniente ver o prazer não como um movimento unidirecional, mas sim como um ritmo, uma cadência coreografada, em que o prazer se produz a partir de cortes e fluxos sucessivos.

3. freud escreve que o nirvana representa a tendência do ser vivo à morte; o prazer e a libido, representam a sua tendência à vida; e ainda, a realidade representa as influências do meio externo sobre o ser. 

quinta-feira, 25 de julho de 2024

definição da razão sob o iluminismo: reflexão sobre as condições de experiência

dilthey formulou, sob o nome de "experiência da vida" ("essência da filosofia", p. 76),  um conceito de esclarecimento progressivo do desejo ao longo do tempo: uma razão crítica que, na capacidade de objetivar o mundo - e a própria vida - no curso de sua duração, é capaz assim de atingir uma plenitude e satisfação superior ao da mente inocente, que simplesmente vive, sem reflexão do como, porque e para quê. 

a poesia e a história se tornam suplementos para a experiência, formulações capazes de auxiliar a tomada de consciência do valor universalmente válido, ainda que validado universalmente dentro da perspectiva do valor particular em que se dá a vivência. 

existe uma adequação da sabedoria transcendental ao fluxo imanente da vida, e também uma separação entre aquilo que seria a sensação, a (in)consciência em estado irrefletido, pragmático e mundano, e uma consciência superior, contemplativa, característica da etapa racional verdadeira: aquela capaz de julgar reflexivamente sobre a própria experiência ainda durante o curso desta. 

nesse esquema teleológico de esclarecimento do desejo, em que o progresso do tempo representa o progresso do julgamento e compreensão, e assim, da felicidade e saciedade, da sabedoria do desejo, de caracteriza uma filosofia oposta a de freud. talvez seja essa uma diferença significativa entre a hermenêutica posta pela psicanálise e uma como a de dilthey: porque a psicanálise de freud propõe o inconsciente como uma espécie de aparelho que sempre desviaria os progressos do esclarecimento. se em dilthey há um desenvolvimento da razão sobre o desejo, um domínio crítico da consciência sobre o curso errático da experiência, freud irá inverter os termos: o desejo irá permanentemente errar a razão, e o curso da experiência irá repetidamente contrariar a crítica que supostamente se proclama dirigente desse processo. 

a conclusão mais importante dessa breve comparação é uma descrição clara do que afinal significa "razão" para um iluminista como dilthey: um saber universalmente válido capaz de julgar e refletir - desde um ponto de vista transcendental - as experiências históricas e particulares da vida. se por um lado dilthey formula a multiplicidade de experiências, sua hermenêutica se descreve pela razão - a própria filosofia - capaz de avaliá-las desde esse ponto de vista da universalidade. 

isso quer dizer que a verdade em dilthey é menos metafísica do que antropológica: diz sobre a vida, está dado no nível dos valores de cada tempo e indivíduo, legisla sobre a felicidade e seu bem-viver, e enfim: é uma verdade que poderíamos chamar de ética. 

a razão universal diz sobre a capacidade do homem julgar cada experiência particular dentro de sua particularidade, e desde esse poder cognitivo, sua força absoluta, se elevar acima da sensação, atingir o nível do entendimento, reflexão - fazer a crítica de si na duração do em-si -; enfim, se tornar ser filosófico, racional.

narcisismo e paranoia na civilização

adorno louva o sistema burguês trabalhista de hegel por formular, na perfeição bem-acabada do conceito, o mundo unificado por meio das relações de troca, da mercadoria. seria, por parte de hegel, uma espécie de intuição do espírito do tempo: a empreitada do alemão teria "inferido a partir do conceito, esse caráter sistemático da sociedade, muito antes que ele pudesse impor-se no campo acessível à experiência de hegel". 

adorno se refere à sistematização hegeliana da integração das partes com a totalidade como expressão do espírito capitalista, de um modo que a fenomenologia e o projeto filosófico de hegel poderia ser um espelho de cristal para as relações constituídas sob o signo da mercadoria, em que tudo somente pode ser em relação a um outro: "essa capacidade da produção esquecer a si mesma, o princípio de expansão insaciável e destrutivo da sociedade de troca, espelha-se na metafísica hegeliana". não queremos sugerir que conceitos não possuem tal poder de clarividência; de certo, a obra hegeliana permitiu, deu forma, as aspirações teóricas de adorno em relação ao capitalismo do século XX, assim como o mito de édipo serviu a freud para inteligir com tamanha clareza suas próprias ideias. a mitologia, essa espécie de laço espiritual, série de histórias e imagens partilhadas, funda essa possibilidade de entendimento, e mesmo comunicação. poderemos, contudo, pensar na extensão e duração dessa mitologia das partes pelo todo, uma ontologia sinedótica em que o singular somente consegue existir pelo e no olhar do outro. 

trata-se de procurar o chão histórico em que se desenvolveu o narcisismo, é claro, já que este consiste na auto-consciência doentia de si, ou ainda, uma percepção de auto-percepção persecutória, que não permite esquecer de si mesmo em nenhum momento: seu corpo, sua fala, seus movimentos, tudo e mais ainda se torna objeto de consciência para o narcisista, como se, em sua fantasia, recriasse em si e para si o olhar e julgamento do outro: só é capaz de se conceber mediante ele. se a civilização é um desenvolvimento da coesão social pela integração e alienação progressiva do trabalho, então a civilização também caracteriza um caso progressivo de narcisismo, em que o eu, na proximidade crescente com o outro, somente pode conceber a si mesmo desde seu olhar. não por acaso que, na intensificação da modernidade, a sinceridade e autenticidade surgem como questões centrais para a vida reflexiva: como ser para si mesmo? como escapar do fluxo repressivo e modelador, a violência imposta pela proximidade do outro, pela manifestação tão clara do leviatã social? 

a relação de força entre o outro e o sujeito é tema central na tragédia íntima de rousseau, cujo corpo parece fracassar, como se fosse um ser extemporâneo, incapaz de se adequar a sua própria e tão clara intuição do panótico social, cada vez mais objetivado na indústria cultural, na perseguição levado a cabo pelos instrumentos do jornalismo, na criação dessa fantasia aterrorizadora e deliciosa de ser celebridade. rousseau se deleitava, mas, também, sofria: termina sua vida entregue às reflexões intimas, cerrado em seu desejo recorrente de distanciamento e solidão, cuidando de sua mórbida velhice em uma casa de campo, longe da vida citadina e da conspiração do público. é um homem cuja obra e biografia representam, tanto ou mais que a conceituação de hegel, a tensão da vida capitalista enquanto uma ontologia do valor de troca, em que somente conseguimos nos conceber a partir da consciência de sermos consciência de um outro. o sujeito cartesiano, marco mitológico da filosofia moderna, funda-se antes de mais nada na subjetividade de si para si: e descartes precisa se isolar em um chalé taciturno para silenciar o ruído externo e ficar a sós consigo mesmo. 

a sociedade, leviatã já idealizado por hobbes em que esse todo imaginário subjuga todas as partes, é uma entidade persecutória, cujo olhar é quase impossível de se abstrair. por último, retomando ao comentário sobre a antecipação divinatória de hegel, sobre a forma com que seu sistema formaliza a vida histórica dos séculos seguintes, vale fazer uma breve hipótese de carácter histórico. a aristocracia do século XVIII francesa, como demonstra o exemplo de rousseau, já vivia sob essa condição narcísica, de se saber inconsciente ou conscientemente cindido entre um eu e uma imagem do eu ao outro, incapaz de definir o originário, e atormentado por essa impossibilidade. 

sobre isso, o exemplo de rousseau (que em certa obra, na divisão que faz de si mesmo em vários, na própria representação como terceira pessoa, encorpora tão bem) é eloquente, mas ainda podemos pensar em como, desde o século XVI, a experiência de corte na inglaterra, estimulou a thomas morus a escrita de sua utopia. ali, a  tensão entre a vida pública, a necessitada de deleitar e de cultivar um ethos particular, entra em choque com a inconveniência característica da verdade. a adequação da retórica e a extemporaneidade da filosofia se confrontam, mais uma vez, sendo esta valorizada pelo seu poder de se livrar do domínio do outro sobre si. essa, talvez, fosse a paixão que animasse ainda a filosofia de rousseau: o desejo de se libertar do outro e se ver transparente, de si para si, e não de si para o outro para si. 

em hegel, contudo, e essa talvez seja sua radicalidade em relação a seu predecessor francês, esse desejo parece caducar diante da consciência de que o sujeito é, na verdade, sujeito-objeto; de que sua apercepção - em continuidade a kant - é sempre fenomênica, uma imagem projetada dentro da projeção social, que não é outra coisa fora a história do espírito.

sociedades frias e quentes: sobre as bases materiais da história

1. o que a teoria marxista-comunista deseja? pelo exame do desenvolvimento histórico, empreender uma crítica teórica das ciências, e formul...