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quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

anotações sobre A TRAMA DA NATUREZA (2018), de PEDRO PAULO PIMENTA

4. a infinitude da natureza diante de um entendimento limitado e fraco

5. fisiologia e representação (Diderot);

    fins da razão X fins naturais

6. anatomia kantiana:

    mecanismo X organismo: 

    causas mecânicas X causas finais

8. trama da natureza: arte sem artífice

    acefalia X inteligência 

197. homo artifex: o homem que fabrica arte.

74. o nascimento do HOMO FABER: narcisismo da espécie

14. HUME: quais estruturas/faculdades/órgãos explicam o comportamento?

    CIÊNCIA MORAL

16. filosofia natural e filosofia moral

    imput das sensações (corpo/fisiologia) > fábrica da imaginação (ficção)

    (conteúdo)                                                (forma)

17. filosofia natural: recepção da sensação pelo corpo: puro dado, a sensação tal qual surge na alma sem qualquer percepção antecedente [a filosofia natural estuda a sensibilidade desde o grau zero da experiência, a sensação anterior a qualquer a priori] 

    filosofia moral: exame das sensações secundárias ou refletidas, as PAIXÕES

    "na produção e na conduta das paixões, há um mecanismo regular, suscetível de uma disquisição tão acurada quanto as leis do movimento, da Ótica, da Hidrostática ou de qualquer outra parte da Filosofia Natural"

    o mecanismo regular da paixão: a priori formado na experiência que ordena a sensação 

18. para LOCKE: toda ideia possui um referente material ou empírico

20. origem médica da semiótica: o corpo externo como signo de acontecimentos internos

    SEMIÓTICA de LOCKE: estudo da formação do pensamento
                                                estudo dos signos (externo) do pensamento (interno);
            a semiótica como um estudo experimental dos acontecimentos internos por meio de seus signos

    o conhecimento das ideias das coisas X o conhecimento das coisas mesmas

    para LOCKE: há uma referencialidade contínua entre as ideias e as coisas, e aquela é meio para estas

    "o entendimento está destinado pelo criador a desvendar a ordem das coisas, dispostas para ele, através de signos dessa ordem"

21. em LOCKE, o conhecimento possui essa CAUSA FINAL: desvendar a ordem natural

22. 47. a natureza como DESIGN DIVINO
            "o desígnio aparece como transcendente às coisas, perpassando-as"

23. "um ser natural em particular é a expressão específica dessa ordem que se põe e se renova a cada instante na natureza como totalidade sistemática"

[MEMÓRIA ETERNA DE DEUS QUE ENGENDRA CONTINUAMENTE A NATUREZA]

"protótipo original" das espécies

24. a abertura das ciências empíricas e naturais à especulação

28. CORPO COMO ECONOMIA ANIMAL

36. necessidade, regularidade, finalidade (na economia)

20. Necessidade x Probabilidade

188. TATO: sentido primordial, a priori, na experiência do conhecer

193. observação primeira, instintiva, maquínica e inconsciente, organização pré-lógica da experiência

25.    anatomia como chave para compreensão do divino metafísico

        ORDENAÇÃO TELEOLÓGICA DO ANIMAL DENTRO DO QUADRO NATURAL

196. ordem antropológica e ordem natural (catástrofe do humano e nova ordem natural segundo seu desígnio)

37. a MENTE como um ÓRGÃO que se contrai, distende, como um MÚSCULO

72. as faculdades mentais podem se EXERCITAR e APRIMORAR

56. registro de impressões na memória enquanto ideias
        IDEIAS SÃO REPRESENTAÇÕES DAS IMPRESSÕES DADAS AOS SENTIDOS

35. alma - cérebro - inteligência > adaptação ambiental, desenvolvido pelo EXERCÍCIO e USO

190. na origem da linguagem, ela é puro referente ao mundo empírico e externo, NÃO HÁ ABSTRAÇÃO

                        A ABSTRAÇÃO É POSTERIOR À REPRESENTAÇÃO

169. organismo e princípio de eficiência energética de seu funcionamento

188. 190. VELOCIDADE de apreensão dos dados empíricos (REPRESENTAÇÃO)

41. descontinuidade entre PERCEPÇÃO e IMAGINAÇÃO
    a imaginação é FÁBRICA [ficção] da representação; a percepção é sua MATÉRIA-PRIMA

      a imaginação TRANSFORMA as impressões [COM FINS OPERACIONAIS]

   43. a imaginação e o HÁBITO ECONÔMICO
        economia de energia no processamento do mundo
        o ENTENDIMENTO economiza energia ao invés de renderizar o mundo com toda sua clareza e detalhes infinitos (FUNES ESTÁ SEMPRE CANSADO). 

        o ENTENDIMENTO, ao IMAGINAR - substituir as impressões em suas totalidades por uma representação mais econômica - ordena o mundo a partir de um FIM DADO PELO SUJEITO, a partir da repetição, do hábito, da experiência

59. a RENDERIZAÇÃO da realidade

44. 72. a FANTASIA então possui essa função técnica de economia: a representação perfeita é desnecessária e mesmo prejudicial aos fins da natureza animal (ECONOMIA)

120. a FICÇÃO dos elos entre as partes da natureza como um REMÉDIO contra os excessos e carências (HYBRIS) da natureza

91. PREGUIÇA

90. a natureza como excesso e desmedida (HYBRIS)

91. uma crítica antropológica à imperfeição da economia natural

92. o direito de GUERRA e DOMÍNIO contra a natureza

82. CATÁSTROFES e recriação da natureza X NATUREZA ETERNA (memória perfeita)
        a DESAGREGAÇÃO e REAGREGAÇÃO contínua da natureza: qual a base de sua memória?

140. CONVENIÊNCIA

52. 58. 59. DESIGN x AGREGADO (político e econômico)

o design se impõe como lei desde a eternidade: há uma IDENTIDADE PRIMEIRA entre as partes; o agregado se forma um tanto mais desordenadamente, somente vem a ser a partir da CONVENIÊNCIA das partes em relação [lei divina e eterna X reflexão parlamentar contínua]

83. a ORDEM é uma prorrogativa da matéria (como funciona sua MEMÓRIA?

84. ordem X finalidade: ou como pode haver arte sem um autor? (NATUREZA ATEOLÓGICA)

86. DESÍGNIO (metafísica) X ECONOMIA (história natural) ***

    [a destruição da metafísica e a introdução do conceito de trabalho]

50. a NATUREZA X a IMAGINAÇÃO: ausência de finalidade da primeira, intencionalidade da segunda 

42. as CARÊNCIAS NATURAIS

87. dor e prazer: meios de auto-preservação

95. o homem é DOMINADO pelas PAIXÕES - forças de afecção - prazer e dor [animalidade]

65. a MÔNADA como unidade indivisivel no tempo e no espaço (as substâncias empíricas como mônadas)

105. 111. EFICIÊNCIA e PRODUTIVIDADE

    língua como economia de tempo / força /energia

108. língua e DIVISÃO DO TRABALHO: organizar os processos produtivos

        [superação da natureza pela arte]

111. línguas como variações morfológicas (uso e desuso, referencialidade ao ambiente, etc)

119. A NATUREZA É COMO UM ANIMAL, ORDENADO INCONSCIENTEMENTE.

113. 119. mão invisível e economia natural

    intencionalidade acéfala e a finalidade abstrata - fora de qualquer subjetividade, de qualquer entendimento, e nesse sentido, inconsciente - somente pode ser vista desde a perspectiva do sistema, de sua totalidade, síntese abstrata de suas N partes incontáveis 

109. o ajuste do meio ao fim humano somente pode ser feito na experiência:

    a Necessidade é um esquecimento da experiência de sua fabricação (esquecimento da memória consciente no hábito; economia de processamento) TENDÊNCIA DA EXPERIÊNCIA A UM EQUILÍBRIO EFICIENTE.

117. fisiocracia e intervenção do estado na economia: manter a regularidade dos processos de trabalho e circulação - controlar as carências e excessos da natureza - X o ateísmo econômico de SMITH como elogio da experiência subjetiva (uso e adequação) e crítica da lei universal

156. portrait X tablau historique 

      representação ideal x representação das paixões

158. CONSTÂNCIA dos caracteres morfológicos ao longo do quadro natural (gradação suave e contínua)

162. 170. GERME, ou um PROTÓTIPO ANTERIOR À EXPERIÊNCIA, modelado a partir da experiência (no contato com o MEIO) [GENE]

124. o sistema como consciência do conceito que havia a priori (no princípio da reflexão, um conceito pré-consciente, mas atuante)

125. legislação da razão: filosofia transcendental

        artesanato da razão: antropologia pragmática ("os modos de constituição do sentido na experiência")

128. empirismo pré-conceitual (dado primário da experiência) D'ALAMBERT

        a priori transcendental (condição da primeira experiência) KANT

132. a ordem alfabética das enciclopédias e refiguração do livro como progressão de um todo (razão)

129. DOGMATISMO como esquecimento da experiência fundadora do conceito (perigo do sistema)

131. ENTROPIA e dispersão dos conhecimentos; sistema como ARQUIVAMENTO; (esclarecimento?) a memória epistêmica de uma época como sistema - "como pensava-se", por meio de quais metáforas e conceitos [e categorias e etc] - a enciclopedia como máquina de pensar (meio de refazer o pensamento passado, ARQUIVO, MEMÓRIA) - registro do circuito pensante.

141. sociedade como deformação da disposição natural do ser pelo HÁBITO e EXERCÍCIO

        a sociedade como ordenação do organismo; a sociedade como máquina de organização da vida para determinados fins - HÁBITO e EXERCÍCIO como meio de condicionamento da vida a fins sociais. uma CASA é uma máquina em que se delimita especializações humanas.

    ver a história das abelhas, com estritos planos de carreira: há, na progressão da vida, uma refuncionalização da abelha a partir de sua idade. uma sociedade muito liberal.

142. o artesanato da vida (da carne) - arte de si (métodos para a filosofia, como o feito por descartes, ou "como aprendi a filosofar", ou "exercícios para se tornar um bom filósofo" - reflexões e hábitos para a adequação da disposição orgânica a um fim (por exemplo, a filosofia)

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

UMA CIÊNCIA DIANTE DO MAL: CARLO GINZBURG E O LINGUISTIC TURN

Desejava escrever longamente sobre a sabedoria dos inimigos, mas esse gênero de assunto exige prolegômenos que por si só merecem um capítulo. 

Ao leitor talvez já pareça inadequado tratar de um saber assim, de forma imediata e afetiva - explicitando o ódio - ao invés de me juntar ao culto da objetividade que, sob o epíteto de positivismo, tomou conta da ciência história. 

Se a ciência positivista somente poderia vir a ser pelo exame empírica das coisas externas e naturais, é evidente que, para a ciência histórica moderna, edificada sobre os testemunhos escritos do passado, isso haveria de ser um problema, já que o sujeito, para as ciências naturais positivas, era considerado uma instância da fantasia, ou seja, o local em que os dados empíricos, as intuições sensíveis, eram processadas de formas parciais e infiéis ao real. Se Kant introduz o conceito de coisa-em-si e fenômeno, não se deve esquecer que este se caracteriza pela forma com que um sujeito conhece as coisas.

Ao contrário da opinião positivista, que despreza a subjetividade como máquina torcedora da realidade, estamos aqui inclinados ao fato de que a ciência não somente só pode nascer assim, psicologicamente, mas que é essa psicologia que, no curso de sua experiência, dá os meios para que o próprio conhecimento possa vir a ser. 

Precisamos, para um saber objetivo, não de uma ciência anti-subjetiva, mas sim uma ciência da subjetividade. Essa é a conclusão que se avulta em meu espírito, e que me leva a pensar nos saberes inimigos. O que podemos aprender com eles? Ou ainda, como deve ser o saber  capaz de aprender com eles? 

Essas respostas, antes de serem esboçadas, exigem toda uma série de prolegômenos sobre as condições do saber diante do ódio. Ou seja, do que podemos saber quando nos sentimos tomados por esse sentimento suscitado pelo inimigo, pelo vil, pelo mal, pelo baixo, pelo estúpido, etc. 

A ideia me ocorreu ao ler ensaios de Carlos Ginzburg, um primeiro chamado "A representação do inimigo", e um outro, de nome "O inquisidor como antropólogo". Como se vê desde os títulos, neles o historiador italiano estuda a história não do ponto de vista exclusivamente dos acontecimentos, mas sim de que estes foram subjetivamente representados desde uma relação de inimizade.  

Um outro tema reincidente a esse livro de Carlos Ginzburg (O fio e os rastros) é o ceticismo que recaiu sobre a ciência histórica desde o chamado linguistic turn.

Refere-se aqui aquela crítica epistemológica, de matriz norte-americana, é verdade, mas de origens na filosofia francesa, em que, contra a base do antigo positivismo, e seguindo o caminho já aberto desde as ciências espirituais alemães, evidenciou os limites subjetivos do discurso postos por aquela que se reivindicava como a ciência e a verdade. 

Essa crítica, também dirigida para o saber historiográfico, de modo geral, fez com que os historiadores se voltassem, por um lado, para o fato de que todas representações eram redigidas desde uma subjetividade, de modo a representar não a realidade, mas sim a consciência daquele que escreveu. 

Se essa vertente do linguistic turn se caracteriza por esse psicologismo último, uma vertente aparentemente oposta, mas na verdade complementar, desenvolveu-se enquanto uma ciência imanentes da discursividade, de forma a retratar, pelo exame empírico, não mais a "realidade" em que os ingênuos positivistas tinham afã de encontrar nas representações, mas sim princípios formais e retóricos que formalizavam os textos enquanto códigos socialmente compartilhados.

Perceba que essa crítica imanente não obedecia de forma alguma a contradição estrita posta com aquela ciência das subjetividades primeiras, e que os contrastes entre crítica interna e externa obscurecem quando pensamos que um é condição aprioristica do outro - o código discursivo existe na e por meio da vida, e a vida somente existe e se desenvolve por meio de tais códigos -. 

De qualquer maneira, esse novo ramo de crítica textual imanente da historiografia fez com que muitos historiadores se dirigissem para os estudos poéticos, retóricos, conceituais ou filológicos. A história propriamente dita - queremos dizer, como o clássico gênero das res gestae, em que se investigam os atos, os acontecimentos e ações, esta somente poderia ser posta desde a perspectiva de uma pluralidade de vozes: ou seja, a história somente poderia ser representada enquanto uma indecisão entre os relatos de cada sujeito. Cada documento deveria ser lido não como informação ou dado, mas como uma informação ou dado cujo apriori era o desejo, a paixão, os valores e, de forma geral, toda aquela atividade considerada própria da subjetividade, os excedentes que ela introduziria em sua apreensão do real. 

Foi nessa perspectiva que surgem os chamados cultural studies, que situam as discursividades desde o fato da indeterminabilidade última das verdades, e que não raro se desenvolvem em uma crítica da verdade enquanto imposição despótica de um poder. 

Essa ampla reflexão sobre as subjetividades nos documentos históricos, afinada com a reflexão sobre o poder e o saber no geral, dirige-se ainda pela aparentemente velha dicotomia que fundou a crítica kantiana: a distinção entre coisa-em-si e fenômeno. De modo que essa defasagem introduzida por Kant, que para ela era o ponto de partida para uma filosofia, é agora muitas vezes tomado como seu ponto de chegada

Não  que isso seja exatamente uma novidade. Os dois grandes nomes da metafísica positivista do século XIX, Comte e Spencer, saudaram a reflexão kantiana - a distinção irredutível entre o todo do ser e a parte do sujeito - como o primeiro princípio em que se desenvolveriam suas filosofias primeiras. Tal qual essa vertente historiográfica e cética associada ao linguistic turn, esses velhos positivistas, que acreditavam edificar o mais rigoroso saber empírico, tomavam a distinção entre uma verdade ontológica perpetuamente inapreensível, e um conhecimento parcial dos sujeitos, sempre limitados pela localidade de sua experiência, atrelado aos seus afetos, sentimentos, crenças, opiniões, etc. A distinção entre positivistas e esses que podemos chamar de subjetivistas é mais de posição do que de epistemologia, (pelo menos a partir desse ponto de vista).

Muitas vezes nos parece que o linguistic turn é simplesmente uma vanguarda; sem que o deixe de ser, seu estudo das textualidades e códigos imanentes, muitas vezes, dá vazão a um empirismo caracteristicamente positivista, que impõe ao historiador a necessidade de se ater a essa realidade imediata, que é a textualidade, como a dimensão única do que se pode conhecer. Só que ao invés do dado do fato, o texto passa a entregar somente o código em que este estaria representado.

Todo saber pelos meios do chamado linguistic turn parece se dirigir a um gênero de semiótica. Isso, contudo, não deve ser considerado como um problema em si mesmo. Pelo menos não era para Carlo Ginzburg, para quem o fato da subjetividade e da aprioridade do código, ao invés de problema a ser contornado por uma ciência superior, deve ser tomado como dado necessário para ele. 

O fato é que Ginzburg toma a sua semiótica não das afluentes francesas ou norte-americanas, mas sim da linguística marxista de Mikhail Bakhtin. Lembremos que contra o idealismo da linguística estrutural, esse russo insistentemente remetia a linguagem enquanto um acontecimento, e que por isso deveria ser tomado como uma produção dialógica, e não uma estrutura ou sistema. Inspirado nesse gênero de semiótica material que infelizmente será impossível caracterizar nesse curto espaço de papel, Carlo Ginzburg insiste que as discursividades analisadas, seja pelas semióticas estritamente objetivas, quando seja por aquela crítica das parcialidades de todos os saberes, que esses discursos nascem e operam na vida, para a vida, em resposta aos seus diversos estímulos, e que sua necessidade última só pode estar nessa vida em que surge. 

Talvez isso que aluda com o conceito de vida, no parágrafo acima, esteja demasiado obscuro ao leitor. Essa explicação necessitaria de todo um novo capítulo, e enquanto isso, sequer começamos a explicar sobre as diferentes relações que podemos manter com o discurso odioso. Devemos encerrar logo esse daqui, e nos apressar a escrever um novo, este dedicado estritamente ao discurso odioso. Não podemos deixar de dizer, no entanto, porque seria leviandade com o leitor, que a representação da vida e a representação do texto, e enfim, que o saber histórico num geral, saiba atender as necessidades postas na e pela vida. Por isso a politicidade urgente de seus eruditos panfletos, por isso o furor combativo, por isso a genealogia das ideologias, e tantas formas mais de historiografia que evidenciam o fato do saber existir sobre uma verdadeira guerra, e que esse saber deve tomar parte dela.

 

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

HUSSERL CONTRA A PSICOLOGIA NATURALISTA

A crítica de Husserl aos psicólogos naturalistas exorta o saber a trabalhar não sobre os "dados primeiros”, i.e., as coisas-em-si anteriores às experiências, aquelas exterioridades que certamente existiam, independente de qualquer sujeito que a experienciasse. 

Não me parece que Husserl queira negar a existência dessas empiricidades de onde provém os dados da experiência. A fenomenologia de Husserl somente deseja rebaixar a qualidade de seu conhecimento perante aquelas formulados pelas ciências da experiência, i.e., aquelas que conhecem não tais dados que seriam dados aos sentidos, existência independente do mundo humano, mas sim que atendesse às necessidades suscitadas pela existência nessa experiência. [nos inclinamos a pensar que já husserl já era um existencialista, pelo menos nos seus "textos de crise", que abandona a posição dogmática e se coloca na altura de um saber circunscrito por uma experiência concreta].

Diante da miséria humana, Husserl exorta aos acadêmicos que pensem não no mundo objetivo e físico, mas sim no mundo conforme experenciado pelos sujeitos. Os relatos sobre a crise da cultura europeia exigem uma sabedoria da vida, uma ciência moral capaz de responder sobre as necessidades dadas na e pela experiência, e para isso, aqueles discursos infindáveis sobre o que seria “dado aos sentidos” independente de qualquer experiência seriam fundamentalmente inúteis, pelo menos se não pressupusessem essa intencionalidade de toda consciência. Husserl impõe a necessidade de pensar-se o sentido do saber desde a experiência humana, dentro de seus valores e contingências temporais e espaciais: 

“Só quando o espirito deixar a ingênua orientação para o exterior e retornar a si mesmo e permanecer consigo mesmo e puramente consigo mesmo, poderá bastar-se a si. Como se chegou a um começo de uma tal reflexão sobre si? Tal começo era impossível enquanto dominava o sensualismo, ou melhor dito, o psicologismo dos dados, a psicologia da tabula rasa. Só quando Brentano postulou uma psicologia como ciência das vivencias intencionais deu-se um impulso que poderá levar adiante, embora o próprio Brentano ainda não tenha superado o objetivismo, nem o naturalismo psicológico. A elaboração de um método efetivo para compreender a essência fundamental do espirito em sua intencionalidade, e, a partir dai, construir uma teoria analitica do espirito que se desenvolve de modo coerente ao infinito, conduziu a fenomenologia transcendental. Esta supera o objetivismo naturalista e todo objetivismo em geral da única maneira possível: o sujeito filosofante parte do seu eu”. HUSSERL, p. 86. 

Compreende-se assim que a fenomenologia supera a psicologia naturalista por voltar-se às ciências do espírito, isso é, da existência como intencionalidade de um sujeito.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

definição da razão sob o iluminismo: reflexão sobre as condições de experiência

dilthey formulou, sob o nome de "experiência da vida" ("essência da filosofia", p. 76),  um conceito de esclarecimento progressivo do desejo ao longo do tempo: uma razão crítica que, na capacidade de objetivar o mundo - e a própria vida - no curso de sua duração, é capaz assim de atingir uma plenitude e satisfação superior ao da mente inocente, que simplesmente vive, sem reflexão do como, porque e para quê. 

a poesia e a história se tornam suplementos para a experiência, formulações capazes de auxiliar a tomada de consciência do valor universalmente válido, ainda que validado universalmente dentro da perspectiva do valor particular em que se dá a vivência. 

existe uma adequação da sabedoria transcendental ao fluxo imanente da vida, e também uma separação entre aquilo que seria a sensação, a (in)consciência em estado irrefletido, pragmático e mundano, e uma consciência superior, contemplativa, característica da etapa racional verdadeira: aquela capaz de julgar reflexivamente sobre a própria experiência ainda durante o curso desta. 

nesse esquema teleológico de esclarecimento do desejo, em que o progresso do tempo representa o progresso do julgamento e compreensão, e assim, da felicidade e saciedade, da sabedoria do desejo, de caracteriza uma filosofia oposta a de freud. talvez seja essa uma diferença significativa entre a hermenêutica posta pela psicanálise e uma como a de dilthey: porque a psicanálise de freud propõe o inconsciente como uma espécie de aparelho que sempre desviaria os progressos do esclarecimento. se em dilthey há um desenvolvimento da razão sobre o desejo, um domínio crítico da consciência sobre o curso errático da experiência, freud irá inverter os termos: o desejo irá permanentemente errar a razão, e o curso da experiência irá repetidamente contrariar a crítica que supostamente se proclama dirigente desse processo. 

a conclusão mais importante dessa breve comparação é uma descrição clara do que afinal significa "razão" para um iluminista como dilthey: um saber universalmente válido capaz de julgar e refletir - desde um ponto de vista transcendental - as experiências históricas e particulares da vida. se por um lado dilthey formula a multiplicidade de experiências, sua hermenêutica se descreve pela razão - a própria filosofia - capaz de avaliá-las desde esse ponto de vista da universalidade. 

isso quer dizer que a verdade em dilthey é menos metafísica do que antropológica: diz sobre a vida, está dado no nível dos valores de cada tempo e indivíduo, legisla sobre a felicidade e seu bem-viver, e enfim: é uma verdade que poderíamos chamar de ética. 

a razão universal diz sobre a capacidade do homem julgar cada experiência particular dentro de sua particularidade, e desde esse poder cognitivo, sua força absoluta, se elevar acima da sensação, atingir o nível do entendimento, reflexão - fazer a crítica de si na duração do em-si -; enfim, se tornar ser filosófico, racional.

sábado, 15 de junho de 2024

depois de kant: positivismo e metafísica no espaço transcendental

na história das ciências humanas escrita por foucault, a filosofia de kant adquire a importância de um singular acontecimento. depois de sua célebre crítica à metafísica, foucault indicará duas tendências opostas e conflitantes que, não obstante, estão erguidas sobre o mesmo terreno movediço deixado pela crise da representação clássica. 

tornada impossível a pretérita correspondência entre as palavras e as coisas, com a filosofia avançando na direção das relações transcendentais entre as representações, dos fundamentos subjacente a toda experiência, surgem duas escolas cuja guerra orientou a filosofia do XIX: por um lado, o positivismo, que declarado proibido o conhecimento das essências, despreza a metafísica como incognoscível, e se decide a estudar os fenômenos empíricos. por outro lado, nesse espaço criado pelo objeto transcendental, surgem as metafísicas especulativas, que procuram ultrapassar a penúria empírica do positivismo por acenos na direção da intuição, do imaginário. 

destas duas escolas pós-kantianas, os positivistas são assemelhados aos físicos, aos matemáticos, e por meio da linguagem métrica, da imaginação mecânica, procuram restituir aquela ordem perdida depois da crítica. os metafísicos, certamente mais próximo dos místicos, dos artistas (em sentido romântico, claro), ao passo que pareçam um tanto quanto pré-criticos em seu matafisicismo, em seus acenos na direção das essências, somente podem se constituir a partir da constatação da separação do ser e do fenômeno, da coisa e da representação, nesse vácuo que torna a ontologia um processo mais misterioso e enigmático.

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