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terça-feira, 30 de maio de 2023

posições de poder: exame breve do caso de costa lima

 À respeito da posição exercida pelo professor, ou ainda, pelo autor quando este atinge certo patamar de celebridade, por mais modesto que pareça: Embora subestimada ou mesmo negligenciada, a posição desde onde um professor ou celebridade fala, não é uma posição exatamente “normal”, mas uma posição dotada de um gênero de poder mágico, uma força capaz de executar alterações nos processos sensoriais, libidinais, existenciais, psicológicos daqueles que por sua fala se deixaram afetar. 

    
Se examinarmos rapidamente a Retórica de Aristóteles, encontraremos que a arte da sedução pelo discurso (definição própria que emprego livremente para descrever o que seria a retórica), se equilibra entre o lógos, o pathos e o ethos. Destaco isso pois, se quanto aos argumentos Costa Lima muitas vezes não me passava grande confiança, ou se suas palavras não me despertavam qualquer reação, era contudo a sua reputação intelectual que fazia com que mantivesse meu corpo aberto ao que dizia durante suas aulas.

Foi por meio desta elevada posição que o professor Costa Lima contou a mim e outros alunos sobre Casa-grande & Senzala. Seu falar não estava no mesmo nível de reles mortais, como eu ou meus colegas de classe, e por isso, caso quisesse ouvir melhor o que dizia, que apontava minhas orelhas para o céu, na esperança de não perder uma palavra. Falava a nós, sobre os tantos intelectuais brasileiros que seu curso abrangeu, como é de se esperar por conta de seu lugar de professor (professor, acrescento ainda, emérito, e autor de tantos livros, e de idade tão avançada, quanto tempo imagino que se dedicou ao pensar!), de cima para baixo… era verdadeira auctoritas. 


quinta-feira, 25 de maio de 2023

uma contradição encontrada na obra de costa lima

A palavra que me ocorre para descrever o sentimento que atravessa “A versão solar do patriarcalismo: Casa-grande & Senzala”, na verdade são duas: a ira e o desprezo. A ira se insinua quando o autor irá tratar do “mestre dos Apipucos”; o desprezo, contudo, está lá desde o início, sem embaraço algum, quando Costa Lima trata a intelectualidade brasileira a qual ele filia a obra de Gilberto Freyre. Quer dizer, isso se pudermos chamar aquele teatro aqui representado de “intelectualidade”. Leram pouco, muito pouco de tudo que na Europa se escrevia, naquele século tão letrado que foi o XIX. A verdade… Querem ouvir a verdade? A verdade é que talvez fosse melhor que não tivessem lido nada!, porque, do pouco que aqueles pobres diabos leram, só tocou-lhes os pontos mais superficiais do que era o racionalismo iluminista: Se por si só este racionalismo iluminista era limitado, aqui, entre aqueles intelectuais preocupados com o problema desta largar região a que se deu o nome de Brasil, o que já era pobre aqui empobreceu-se ainda mais! Se o iluminismo era pão dormido, o que se fazia aqui fez-se com suas migalhas, porque de todo o iluminismo, entre os intelectuais brasileiros foram aprendidas apenas as “ atitudes mais esquemáticas: o repúdio à metafísica, o desprezo pela religião [...] e pelo que fosse rebelde à estrita incidência da razão”. Mas estes elementos não entravam propriamente no circuito da demonstrações; antes se contentavam em funcionar como seus porteiros, encarregados de barrar a entrada de qualquer que a priori já não estivesse convencido de sua evidência. Se a razão já tem a tendência de ser monológica, i.e., de não reconhecer senão o que traz sua marca manifesta, que então dizer deste racionalismo-por-etiqueta? É surpreendente que estas palavras sejam escritas somente algumas páginas depois de que a “concepção radical do historicismo” de Herder fora por Costa Lima louvada como contrária à “razão monológica” dos iluministas; imagino que a tinta ainda estava fresca, que o autor havia acabado de pensar e redigir que “cada época deve ser encarada em termos de seu próprios valores [...] de que não há progresso ou declínio na história mas apenas a diversidade preenchida por valores”, quando em seguida descreveu a razão de toda uma série de intelectuais que aqui, no país de nome Brasil, escreviam, como um “racionalismo-de-etiqueta”... Pensemos por alguns instantes… - ao leitor entediado, desculpe termos que gastar mais linhas em divagações que poderiam ser omitidas… - Pensemos no como é possível tão flagrante contradição, especialmente porque tratamos de autor que, na página 227, ainda neste mesmo ensaio, debocha daqueles que fazem elogio da escrita de Freyre por “suspender a desconfiança fundamental que o pensamento ocidental nos ensinou a manter quanto à contradição”... e na sequência, ao tratar da “maleabilidade do oral” a que tanto aludem os analistas dos escritos do Freyre, sobre tal “maleabilidade”, levantará hipóteses: “Seriam seus analistas especialmente desatentos ou a linguagem de Freyre desenvolveria uma melodia anestesiante do entendimento?” Será que a monumentalização de Gilberto Freyre deve-se ao cantar de sereia, ao ir e vir de sua escrita que antes anestesia o entendimento, ao invés de fazer o seu contrário, reanimar, desentorpecer, despertar o entendimento do leitor? A colocação de Costa Lima recoloca Gilberto Freyre na prateleira da razão-por-etiqueta, com o acréscimo ou destaque do quão poderoso retórico seria este escritor, capaz de anestesiar não somente um ou outro, mas algumas gerações de intelectuais. Estaria Casa-grande & Senzala, portanto, na linha sucessória de Os sertões, de Euclides da Cunha, obras científicas, historiográficas, que contudo habitam a fronteira do literário, e por isso seriam tão perigosas: por estetizar o que deveria se dar da forma mais simples e direta possível ao entendimento… Do ponto de vista da lógica ocidental, a contradição impõe verdadeiros desafios à imaginação analítica... Pensemos portanto em hipóteses razoáveis, capazes de justificar a contradição de um escritor não somente avesso à contradição, mas que no ensaio analisado estava verdadeiramente atento a ela.


Hipótese número um: Costa Lima não é somente Costa Lima; o codinome, na verdade denomina uma dupla de escreventes: não é um único homem! Não Costa Lima, mas Costa & Lima! Um escreve uma coisa, e cansado por qualquer motivo, ou então por insistência do outro, que deseja digitar na máquina, trocam de lugares, e a sucessão lógica é assim interrompida.

Hipótese interessante do ponto de vista literário, mas inverossímil, infelizmente. Passemos para a hipótese número dois: o autor não possui exatamente ciência do que escreve; digamos, não é como seu argumento estivesse em sua cabeça como uma sucessão de A + B + C + D…  Assim, são de qualidade os autores capazes de transformar a razão por eles arquitetadas em palavras; as palavras, portanto, deveriam repetir a arquitetura exata que construiu em sua mente…

Que são estes buracos que encontramos em tais catedrais erguidas por meio das palavras? Falhas que deveremos cobrar a seu projetista, criaturinha incapaz de pensar…

E por que estamos falando em pensamento, se na verdade estamos tratando de escritos? É tão fácil confundir sujeito e seus rastros, ainda mais quando conhecemos, quando estivemos frente à frente com o sujeito que assinou a autoria de tais escritos…

A razão que move os sujeitos é estranha; e ainda, tão estranha ou mais, é a razão com que lemos os escritos… É como se pudesse existir, dentro da mesma unidade, uma outra coisa que destrói a possibilidade de sua unidade, ou ainda, de nosso critério de unidade… É como se houvesse, dentro do escrito, forças em dispersão, e também forças centrípetas, as duas coisas ao mesmo tempo… 

Se a possibilidade de dois Costa Lima é literatura fantástica, a existência de um único, mas de razão dupla, ou ainda, razões múltiplas, dependendo da velocidade, intensidade e gravidade com que se manifestam tais razões, Costa Lima poderia, meu deus, ser interditado por médicos e psicólogos, e declarado esquizofrênico… 

Graças a Deus este não é o caso, e as oscilações parecem muito mais estáveis, muito mais simples, e pelo que imagino, nada impede a Costa Lima que seja capaz de viver em sociedade e desempenhar as funções que esperam que desempenhem, inclusive a de intelectual, e é dela que estamos tratando aqui…


terça-feira, 23 de maio de 2023

porque não prestava atenção nas aulas de costa lima

Esclareço que Gilberto Freyre e seus escritos só se tornaram meu objeto de pesquisa quando, no início de 2022, decidi de uma vez por todas que não iria mais estudar literatura. O curso de Costa Lima, ocorrido no primeiro semestre de 2021, se passou portanto em um tempo em que estava com minha cabeça concentrado em problemas diversos. Haviam aqueles relativos mais propriamente à minha pesquisa, e que diziam respeito à teoria e história da literatura, especialmente da literatura argentina (depois de terminada uma dissertação sobre a crítica e seus desdobramentos na ficção de Jorge Luis Borges, havia ingressado no doutorado com um projeto de estudar a obra de outro escritor argentino - no caso, a obra de César Aira -, desta vez não a partir da questão do crítico, mas sim da problemática da profissionalização do escritor (não havia dado conta, mas agora percebo como hoje uma pesquisa era continuação - e neste caso, continuação histórica! - da anterior). O interesse que nutria pelos estudos da historiografia brasileira, portanto, na melhor das hipóteses, eram daqueles que justificamos pela esperança de, por meio da diversidade de nossos estudos, realizar a fantasia de sermos dotados da fantástica e eclética erudição que certos intelectuais - Borges, certamente, era um deles - pareciam representar aos jovens e incautos estudantes. Admito que, no entanto, conhecer a historiografia brasileira, especialmente quando o professor que lhe apresentava fazia questão desqualificá-la por completo, e que, autor por autor, não deixava pedra sobre pedra, pouco deve ter me estimulado a acrescentar escritos tão irrelevantes à erudição que eu fantasiava um dia adquirir.

Melhor, provavelmente eu pensava, era manter os estudos que fazia à parte e que nada tinham a ver com nada do que eu estudava, mas que me interessavam por motivos diversos, e ao invés de ler o que era ordenado pela disciplina, lembro preferir gastar minha semana com outras leituras. Os amigos da internet não paravam - e ainda, pelo visto, não pararam - de falar do Anti-édipo, e junto do livro de Deleuze e Guattari também fiz algumas leituras de Freud, a mais marcante, sem nenhuma dúvida, foram trechos de Psicopatologia do cotidiano (talvez porque meu primeiro contato com a psicanálise partiu de um panfleto escrito contra ela, mas nunca senti necessidade de me aprofundar na psicanálise; ainda assim, sinto ter adquirido considerável conhecimento, digamos, vulgar sobre sua teoria, já que tantos amigos falavam - e ainda falam! - sobre ela). Houve também minha aproximação com o marxismo a partir de O capital, livro que de tempos em tempos leio excertos ao acaso. Houve a Gramatologia, que primeiro, como alguém educado por certa concepção social de linguagem aprendida de Bakhtin, me pareceu detestável, simplesmente a repetir o idealismo da linguística estrutural, mas que quando compreendi pelo menos uma fração do que Derrida tinha a dizer naquele livro (Uma pena que a melhor parte do livro seja a segunda, e que geralmente quase nunca se passa da primeira, talvez pelo cansativo de sua leitura). Estava já, desde antes da Gramatologia - creio desde que li as críticas que Bakhtin faz à linguística burguesa - bastante interessado em compreendê-la melhor, e também examinei livros anacrônicos, como a Linguística Geral de Saussure, li artigos de Jakobson que pouco entendi na hora, mas que hoje, melhor compreendido o que afinal foi o estruturalismo, poderia até mesmo falar com alguma propriedade do pouco que me lembro… O ponto mais importante do meu interesse pelo estruturalismo, contudo, foram dois: primeiro a leitura d’O pensamento selvagem, de Lévi-Strauss, que junto d’A arqueologia do saber, de Foucault, começaram a lentamente germinar em meu corpo uma espécie de teoria do discurso ou da linguagem que sinto cada dia mais madura. Houve também Sade, Fourier, Loyola, de Roland Barthes, junto de tantas leituras, fez nascer em mim essa espécie de teoria da escritura e das línguas que passei a empregar como método de estudo e de análise do discurso, e que hoje trato pelo nome, um pouco livremente, é verdade, enquanto filologia, embora o historicismo típico de tal disciplina esteja consideravelmente diluído, ou melhor, desacelerado, pela lentidão que o estruturalismo (seja qual for: o de Barthes, Foucault ou Lévi-Strauss) impõe à maneira com que estudo… Aderi à filologia para descrever meu trabalho, ainda que não pretenda exatamente reencontrar a origem da linguagem estudada, após ler uma conferência de Auerbach sobre Vico, em que se difere a filologia da filosofia, e descobri assim no termo a potência que procurava para se referir a potência que via na linguagem, e que a filosofia e as ciências, em geral, desprezavam, fazendo dela somente instrumento de conhecimento… Quanto tempo demorei para compreender o que sugere Derrida na Gramatologia! O livro de Lévi-Strauss fez com que concebesse a linguagem - em sua existência mutante, histórica, cultural, social… - como um a priori para o conhecimento, como fenômeno que, assim como o incesto e o casamento, eram simplesmente necessários para que se existisse sociedade… Não, era ainda mais profunda a situação da linguagem, isto pressenti com Foucault, em sua Arqueologia do saber, porque a linguagem não era simplesmente aprioristica, a linguagem era literalmente poder, e que se o enunciado válido - sapiente, racional, compreensível - estava limitado a algumas formas, se o pensar não era livre, mas regrado e fracionado, era porque tratavasse, dentro do campo do discurso, de verdadeira guerra, e a língua era apenas face visível de sua violência… A linguagem era sim este a priori conforme propôs Lévi-Strauss, e somente por meio dela poderia se pensar… Mas Foucault introduz diabolicamente a questão da moral, a questão da história… Como afinal se veio a pensar assim? Como se deram os limites deste pensar? A favor de que? Contra o que? O que este a priori autoriza, a quem dá poder, como a partir de tais palavras, verdadeiras tecnologias de sujeição corporal, capazes de produzir nas pessoas não somente efeitos como os estipulados pela retórica clássica, não, não se trata somente de convencer o outro, mas verdadeiramente de sujeitar alguém, de constituir um corpo, uma subjetividade, a partir deste traçado chamado linguagem, não resta muito além do que obedecer… Foucault demonstrou para mim que a linguagem era ao mesmo tempo ordem e moral; E novamente, então, Derrida, e novamente, então, que a língua é a remessa infinita dos seus significantes… A linguagem não era mais meio para conhecimento nenhum, ela era também o próprio conhecer… E se nasce uma língua, se nasce um conhecimento… Se ele se dissemina… Alguma língua, algum saber, algum conhecer, alguma coisa se perde.


sociedades frias e quentes: sobre as bases materiais da história

1. o que a teoria marxista-comunista deseja? pelo exame do desenvolvimento histórico, empreender uma crítica teórica das ciências, e formul...