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quarta-feira, 29 de maio de 2024

DE NOVO FOUCAULT E A ARQUEOLOGIA DO SABER

Existe evidente confusão entre a "arqueologia" enunciada por Michael Foucault e um conceito mais geral de "estruturalismo". O próprio Foucault colabora com o imbróglio conceitual em seus primeiros livros, quando anuncia a particularidade de sua historiografia em relação as demais em voga. E se quando supostamente resolveria a questão em seu Arqueologia do Saber o autor é oblíquo e indefinido, é porque a arqueologia não é simplesmente a história das condições apriorísticas do conhecimento, conforme uma leitura estruturalista do conceito poderia formular, e ainda, como o próprio autor sugeriu, insuficientemente, no As palavras e as coisas, mas sim a ciência das redistribuições das origens e limites a qual toda e qualquer ciência está sujeita: de como o saber redistribui, ao longo da história, a matéria de seu conhecimento. 

Por isso que a arqueologia, ao longo do Arqueologia do saber, é parcamente definida; Foucault, ao contrário, age em estilo que chamarei de "cético", desfazendo racionalmente as razões das demais teorias, mas, neste ponto definitivamente menos cético, sempre seguindo na direção de um saber negativo, em espera e de difícil enunciação, já que seria um saber que se formula com ciência da própria instabilidade de seu saber; de como os saberes futuros fatalmente redistribuirão, sem respeito às demarcações do autor, o saber que supostamente se planejaria fundar. 

Por isso que a arqueologia trata inevitavelmente de uma discussão sobre o conceito de identidade, por Foucault ironicamente renunciada, desde o princípio, como sendo uma moral do estado civil. Como, então, fundar um conceito que, por princípio, recusa ser fundado? um conceito que por princípio postula a violência das derivas, dos recortes, da redistribuição? Ao fim e ao cabo, tudo que a arqueologia enuncia é a instabilidade - não a insuficiência, e talvez isso separe Foucault do ceticismo propriamente dito - de todos princípios de saber, de toda forma de ciência. 

Se hoje temos esperança de encontrar no nome próprio, na assinatura, na psicologia, no autor, na subjetividade, no tempo, na sociedade, na humanidade, ou onde lá seja o ponto de encontro de todas as linhas de fuga, Foucault deles todos desdenha, e prenuncia um saber irônico, ainda e sempre em espera, que redistribuirá a superfície de todos os textos, reorganizará as seções de todas biblioteca e reconstruirá a geografia de todos os discursos. Assim, novos objetos surgirão para o novo olhar, novas investigações farão novos sentido, e todo conhecimento se fará de novo e novo mais uma vez.

sábado, 8 de julho de 2023

CONFISSÃO E VIOLÊNCIA - a intimidade de Machado de Assis exposta por Lúcia Miguel Pereira

MACHADO DE ASSIS (1936) - Lúcia Miguel Pereira

"Êsse homem tão recatado, tão cioso de sua intimidade, só teve um descuido, só deixou uma porta aberta: seus livros". (p. 22)

obsessão com a vida íntima do escritor: revanche contra a obsessão que a própria celebridade tinha por provar ao público ter um só coração, uma só face. ser um só diante do júri, "sou sincero!" e os historiadores vindouros loucos em fazer a máscara cair, colocar outra no lugar.

"vingança", pois m.g.l. sabe tratar de procedimento cruel: despojar o outro de quem desejou ser, da identidade que forjou...

"violentar a alma de Machado de Assis através das confissões involuntárias, é defendê-lo contra si próprio, contra o seu convencionalismo de superfície". (p. 22)

mesmo depois de morto, Machado de Assis não tem descanso: continuaram a destrinchar sua imagem, continuaram a tentar remover o poder que tanto deseja de determinar quem afinal é ele próprio, e pelos métodos mais cruéis, inquisitoriais, extrair as confissões que em toda vida nunca fez, fazê-lo, mesmo quando morto, admitir palavras que ao longo de toda vida permaneceram veladas, misteriosas, nunca postas em enunciado...

O poder sobre nosso corpo, sobre nossa voz, sobre nossa alma, sobre nossa imagem, sobre nossa identidade: perdermos imediatamente, a partir do instante que começamos a jogar, e mesmo que o autor por toda vida lute, que a celebridade valha de seu poder, de seu espaço público, da imagem que é capaz de alastrar, no momento em que sua voz toca as malhas da escritura, é para se perder...

"mistérios que não estão ainda de todo desvendados, e nem o serão jamais, porque, se se deixou adivinhar, nunca se confessou. Parece mesmo ter, propositadamente ou não, desmanchado as pegadas, confundido as pistas". (p. 24).

(ecos de ficção policial: o autor, sua intimidade e biografia interior, é o bandido; o historiador-detetive precisa encontrar sua verdadeira identidade).

sociedades frias e quentes: sobre as bases materiais da história

1. o que a teoria marxista-comunista deseja? pelo exame do desenvolvimento histórico, empreender uma crítica teórica das ciências, e formul...