MACHADO DE ASSIS (1936) - Lúcia Miguel Pereira
"Êsse homem tão recatado, tão cioso de sua intimidade, só teve um descuido, só deixou uma porta aberta: seus livros". (p. 22)
obsessão com a vida íntima do escritor: revanche contra a obsessão que a própria celebridade tinha por provar ao público ter um só coração, uma só face. ser um só diante do júri, "sou sincero!" e os historiadores vindouros loucos em fazer a máscara cair, colocar outra no lugar.
"vingança", pois m.g.l. sabe tratar de procedimento cruel: despojar o outro de quem desejou ser, da identidade que forjou...
"violentar a alma de Machado de Assis através das confissões involuntárias, é defendê-lo contra si próprio, contra o seu convencionalismo de superfície". (p. 22)
mesmo depois de morto, Machado de Assis não tem descanso: continuaram a destrinchar sua imagem, continuaram a tentar remover o poder que tanto deseja de determinar quem afinal é ele próprio, e pelos métodos mais cruéis, inquisitoriais, extrair as confissões que em toda vida nunca fez, fazê-lo, mesmo quando morto, admitir palavras que ao longo de toda vida permaneceram veladas, misteriosas, nunca postas em enunciado...
O poder sobre nosso corpo, sobre nossa voz, sobre nossa alma, sobre nossa imagem, sobre nossa identidade: perdermos imediatamente, a partir do instante que começamos a jogar, e mesmo que o autor por toda vida lute, que a celebridade valha de seu poder, de seu espaço público, da imagem que é capaz de alastrar, no momento em que sua voz toca as malhas da escritura, é para se perder...
"mistérios que não estão ainda de todo desvendados, e nem o serão jamais, porque, se se deixou adivinhar, nunca se confessou. Parece mesmo ter, propositadamente ou não, desmanchado as pegadas, confundido as pistas". (p. 24).
(ecos de ficção policial: o autor, sua intimidade e biografia interior, é o bandido; o historiador-detetive precisa encontrar sua verdadeira identidade).
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