quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

O PACIENTE BAUDELAIRE


Uma vez mais meteu a mão no bolso do palitó e retirou o papel amassado e leu aquelas letras impressas à máquina: 

Seu verdadeiro pai na Rua do Passeio, 38, Rio de Janeiro". 

Olhou o mar, o céu noturno. Suava, estava muito quente. Levou a mão à testa, ao pescoço. Estavam pelando. Novamente, Baudelaire tinha febre. Ministrou um pouco de ópio, entrou na sua apertada cabine e foi tentar dormir.

Depois de uma a hora, dormiu, ou ao menos se convenceu que dormia. Mas de instante em instante abria os olhos e se percebia naquele catre escuro, a janelinha aberta com a lua cheia, e apavorado por pesadelos estranhos. 

Em um particularmente desagradável, viu o fantasma de seus pais. Acordou de vez e, muito pertubado, acendeu o lampião que deixava ao lado da cama. 

A maré estava agitada, e ele sentia seu estômago mexendo junto do barco. Quando se levantou, quase caiu, a parede lhe serviu de apoio. Estava muito fraco, magrérrimo. Talvez tivesse pego alguma infecção, talvez até febre tifóide. Correu até o seu diário e, de pé, pois a sua cabine não comportava sequer espaço para uma cadeira (tudo que havia era uma cama de solteiro presa à parede, um baú em que guardavaa bagagem e uma tábua presa à parede do outro lado, que usava de mesa), pegou o papel com o endereço impresso e, no lado em branco, começou a anotar aquele sonho. Não sabia o porquê, mas não queria perdê-lo. É como se nele estivesse cifrado alguma coisa sobre o próprio destino, e em alguma minúcia, e em meio a alguma impressão veloz e imperceptível, encontrar a cifra de uma revelação.

Terminou de escrever e, depois de tomar um pouco mais de ópio, apagou por duas horas. Foi acordado por batidas na porta de sua cabine. Batidas pesadas. Acordou assustado, ainda cansado, mas a febre pelo menos baixara. Deve ter sido o ópio, pensou, e voltou a fechar os olhos. Quando achou que estava voltando a dormir, bateram de novo, dessa vez ainda mais forte. E chamaram o seu nome: "Senhor Baudelaire". Desorientado, colocou suas roupas e levantou. A maré continuava agitada. Apoiando-se nas paredes, foi feito um sonâmbulo até a porta, destravou o trinco e viu que do outro lado estava o capitão.

- Desculpe a hora, sei que está tarde.

- Que horas são?

- Vinte pras seis, mais ou menos. E o senhor esqueceu as calças, senhor Baudelaire, disse o capitão, polidamente desviando o olhar.

Baudelaire se desculpou, vestiu com pressa a calça e convidou o capitão para entrar naquele cubículo. Sente na cama se quiser, disse, apontando os lençóis desarrumados e ainda úmidos de suor. 

- Minha visita será breve, disse, mas mesmo assim aceitou o convite e se sentou na ponta da cama. 

- Diga lá então, respondeu Baudelaire enquanto fechava a porta.

- Estaremos chegando ao Rio de Janeiro em menos de vinte e quatro horas.

- Excelente.

- Mas alguns vizinhos estão, digamos, se queixando de certo comportamento seu.

- Meu comportamento?

- Sim. Dos estranhos ruídos que está fazendo em seu quarto.

- Ruídos?

- Veja bem, as paredes desse navio possuem ouvidos. 

Como se quisesse dar provas, o capitão desferiu alguns soquinhos com o punho contra o metal oco e fino da parede, e um som agudo, similar a de um sinete, ecoou pela cabine apertada.

- Não recebi nenhuma visita, capitão, replicou Baudelaire contrariado.

- Sinto muito, mas não é isso que um de seus vizinhos me relatou, senhor, disse, querendo se desculpar. 

- Estou lhe dizendo. A única pessoa a quem dirigi a palavra nesse quarto foi ao papel.

E indicou o manuscrito que estava em cima da mesa, como se aquilo fosse a prova definitiva de sua inocência.

- De qualquer forma, a viagem chegará ao fim em breve. Tente colaborar. Veja bem, não conheço bem ao senhor, mas creio que até posso lhe chamar de um bom sujeito. Não acredito que queria o mal de ninguém. E por saber de seu estado de saúde, muito evitei vir lhe incomodar, e só vim mesmo pois seu vizinho chegou a ameaçar contatar meus superiores se não viesse lhe advertir.

- Entendo. Me desculpe o incômodo.

- Tudo bem, senhor Baudelaire. Não quis preocupá-lo. Só tente passar essas últimas horas em silêncio. 

- Vou tentar, senhor.

- Obrigado, Baudelaire. 

Levantou e, antes de apertar a mão do poeta, disse que em breve já chegarão na Guanabara. 

- Verá como é realmente linda, Baudelaire.

- É o que todos me dizem nesse navio.

Baudelaire fez questão de abrir a porta para o capitão.  Ele passou para o lado de fora, disse algo sobre os benefícios do ar tropical para a saúde, acenou e foi embora, cada passo ecoando no corredor do navio.

Baudelaire fechou a porta com o trinco. Olhou pela janelinha e o sol já estava nascendo. Foi instintivamente até a mesinha improvisada e tomou a folha em que escrevera na última noite. Leu em voz alta, conforme sempre fazia com tudo que escrevia: 

"Entraram no meu quarto com uma enorme cama de casal. Era só um menininho. Estranho abalo punha-me nos sentidos aquela escandalosa exibição de cama em meu quarto. Vendo-a, como a viu, publicamente armada e feita, patenteando sem o menor escrúlo o seu largo colchão para dois, com travesseiros duplos, afigurava-se-lhe ter defronte dos olhos um altar que se trazia de longe, para a ementa e religiosa cerimonia do desfloramento de uma virgem. Minha irmãzinha seria deflorada por algum homem misterioso, com o consentimento de papai e mamãe. Havia alguma coisa de pagão e bárbaro em tudo aquilo; alguma coisa que me levava a pensar na paradisíaca impudência dos meus sonhados amores; alguma coisa que me levava, puxado pelos cabelos, para a vermelha sensualidade de meus delírios. Em cima de tão profano leito conjugal que apareceu-me o fantasma de minha mãe e de meu pai".

Levou a mão à cabeça, que formigava de dor. A vista também doía. Essa terrível nevralgia. Se passasse mais uma noite pelando de febre, se não conseguisse dormir mais do que duas horas...

Na verdade, Baudelaire não dormia propriamente há mais de duas semanas. É mais correto dizer que à noite, prinipalmente nos dias em que tomava ópio para tentar apagar e dormir por mais tempo, o poeta não dormia nem propriamente estava acordado, mas se perdia entre imagens que não sabia bem se vivia em seus sonhos, simples fantasias de sua imaginação, ou se revivia lembranças enterradas pelo seu inconsciente, que aproveitavam o estado débil e frágil de Baudelaire para vir à luz.

A verdade é que não parava de pensar na mãe morta. Em seu pai, que se aproxima dela ameaçadoramente. Não, não, ela diz, se ajoelha,suplica, mas ele empurra ela na cama e, com uma cinta, disfere golpes cheio de raiva. A mãe grita escandalosamente. Baudelaire na porta do quarto, vendo tudo. E então, uma arma na mão de sua mãe, o som de tiros, e o pai cai, sangrando, perfurado pelas bala.

"Por que ainda penso nessas memórias", se questionava Baudelaire, exausto. Se joga na cama e toma mais ópio. Vê seu reflexo na cor verde-garrafa do frasco. Os dentes sujos. As olheiras enormes. A pele seca e envelhecida. O rosto magro como de uma caveira.

A mãe sempre dissera que Baudelaire era um dos mais lindos rapazes do seu tempo. Loiro, alto, com um belo arcabolço heróico e uns olhos pardos infinitamente móveis: o ar afinado e super-humano característico das grandes raças dos portugueses, que se cruzam constantemente e caminham, pela consanguinidade, para a degeneração e para a morte. Duma graciosidade de movimentos e de atitudes quase feminina, com uma côr de pele delicada e rósea, a sua forte ossatura e o brilho do seu olhar impressionavam pela energia e pela violência. Baudelaira era de uma delicadeza feminina e quase mórbida, que se aliava a uma expressão de força e de virilidade. Tinha a escola de todos os fidalgos do tempo, corria loiros, fazia prodigios de gineta e de estardiota. 

Como espotrejador e como cavaleiro, poucos o excediam. Trabalhava um cavalo na picaria até à última perfeição.

Muitas vezes o viam correr os campos, no seu argel travado, de orelhas derramadas e cabeça de carneiro, rasgado de pernas como convinha à brida, e onde o fidalgo ficava como uma estátua, as coxas bem firmes nas borrainas e os pés forrados com energia nas estribeiras de prata. Um espetáculo.
Quanto a sua ilustração, essa era pouca, bem ao espirito dos demais Baudelaire. Era igualzinho ao seu pai, pelo menos era isso que todos lhe diziam.

O nome de seu pai era Charles. Um comerciante de ferramentas agrícolas que enriquecera com o surto do café na América do Sul. Suas fábricas exportavam peças para muitas fazendas. Todos os pensamentos de Charles eram voltados para os negócios e para a vida prática. Odiava a inclinação vadia de Baudelaire. O outro de seus filhos, que recebeu seu nome, que era seu orgulho. Formou-se em medicina em Paris e atuava como um reputado neurocirurgião em uma província. E Baudelaire, vivia de rendas incerta, de seu trabalho de poeta e escritor. Quantos aborrecimentos trazia ao pai, que lhe ameaçou cortar todas as suas rendas se não estudasse direito. Imaginava que o filho ainda poderia herdar a empresa, ou pelo menos trabalhar em um cargo de confiamça. E para o tímido Baudelaire, o que restava senão aceitar o destino imposto? Afinal, pois, ele era seu pai.

Ou assim pensava Baudelaire até poucos dias antes da morte da mãe, vítima de um cancro no cérebro. À beira da morte, confessou que Baudelaire era filho de outro homem.

- Quem, mamãe, quem?, ele gritou.

- Seu nome é Fedro. Ele é um padre que viveu em Alagoas.

- Por que não contou-me antes, mamãe?

- Não sei. Não era fácil falar. E a mãe desatou a chorar, até desfalecer de cansaço nos braços do filho.

Dois dias e ela morreu. Durante o funeral, muito simples e reservado, Baudelaire habia notado em um homem estranho, de pele preta e cabelos crespos cuidadosamente escovados, e óculos escuros, que ficou sentado no último banco. Nunca tinha visto na vida o sujeito, que no final da cerimônia veio, prestou-lhe suas homenagens e  entregou uma carta, que ele disse ter sido deixada por sua mãe. Era o seu único testamento, já que não tinha nenhum bem para deixar (toda a empresa fora dilapidada para pagar o tratamento de sua doença). E na folha amassada, escrito à máquina, estava anotado o seguinte:

"Seu verdadeiro pai na Rua do Passeio, 38, Rio de Janeiro". 

Acordou e ao olhar a janela, viu o que imaginou ser a baía da Guanabara. Não lhe parecia tão diferente do Reno. O mar era tão azul quanto todos os outros. Sem grande afobação, separou seus pertenses e se preparou para desembarcar depois de semanas em alto-mar.

A cidade também não lhe impressionou. Era de fato mais rudimentar do que esperava, mas nada capaz de chamar sua atenção. Ainda assim, passou dois dias conhecendo a cidade à convite do capitão, que no terceiro dia embarcou de volta pra França.

No terceiro dia, ofereceu dinheiro para um homem levá-lo ao endereço indicado no papel. Era uma rua movimentada. Na calçada ao outro lado do prédio acontecia uma roda de samba, e muitas pessoas bebiam e falavam alto.

Lindoca gritava para que pudesse ser ouvida. Era uma menina bem gorducha, que dizia estar louca para casar. Explicava:

- Papai é um marido tão bom... Não posso esperar para Osvaldo ser o meu. 

- E o vestido, e o vestido?, indagam as irmãs Sarmentos, inquietas, suas vozes misturadas aos batuques e às algazarras de vozes e violões.

- Ai, não sei, estou tão gorda..., lamentou a noivinha.

Todos elogiavam Lindoca pela sua exuberância adiposa. As irmãs não eram excessão, e passarama enaltecer a sua acentuada adiposidade

- Queria eu ser gorda como você, Lindoca, disse uma delas.

- E tem mais: gordura é sinal de saúde, disse a outra, ajeitando os cabelos.

Lindoca, no entanto, replicava:

- Se eu soubesse de um remédio bom para emagrecer... Tomava!

Baudelaire atravessava por entre ao a multidão quando um homem lhe cumprimentou com um tapinha no ombro. Levantou a cabeça - Baudelaire andava de cabeça baixa - e viu era Júlio Ribeiro, um gramático que conhecera na viagem para o Brasil. 

Julio parecia com tudo menos um gramático: não usa simonte, nem lenço de alcobaça, nem pince-nez, nem sequer cartola. Gosta de porcelanas, de marfins, de bronzes artísticos, de moedas antigas. Tem, ao que me dizem, uma qualidade adorável, um verdadeiro título benemerência - nunca fala, nunca disserta sobre coisas de gramático. Baudelaire acena para ele, finge um sorrisinho e, contrariado, detém sua caminhada para trocar algumas palavras com o conhecido.

- Não sabia que os simbolistas gostavam de samba!, disse Júlio, jocoso.

- Também não imaginava encontrar o senhor em um lugar desses.

- Gosto muito de assistir todo e qualquer colorido e pitoresco. Nas ruas há melhor literatura que nos livros, é o que sempre digo.

E indicou o amontoado de corpos suados, gritando uns com os outros para ouvir-se entre o alarido da música. Foi quando Baudelaire percebeu a atmosfera de volúpia que envolvia tudo aquilo. Sentiu um cheiro ocre, um odor de cópula excitante e provocador, e também um nojo confuso, uma súbita ânsia de vômito, repulsa, medo, tudo misturado. Olhou e viu aquelas mulheres, vestidas com a elegância de alcoviteiras francesas, conversando com tanto descaramento...

- Aquele advogado, o tal Mandrake..., disse uma das irmãs Sarmento, e as outras duas arregalaram os olhos e deram um gritinho.

- É um chuchuzinho, concordou a irmã.

- Não é de se jogar fora.

- E é um perfeito cavalheiro, concordou Lindoca, salivando.

Baudelaire era um homem tímido e reservado. Aquela conversa tão lúbrica, dita ainda por cima por moças, fez que tivesse vontade de desaparecer. Olhou as horas e disse que precisava ir. Apertou a mão do gramático quando de repente um cheiro adocicado de perfume invadiu as suas narinas. Ele se paralizou. O gramático soltou sua mão, e ela simplesmente caiu, como se Baudelaire não tivesse forças para sustentá-la. Júlio Ribeiro foi-se, e na mesma direção vinha uma mulher bonita, de movimentos finos. Pele fresca, a boca purinha, a abundância dos cabelos. Achou-a bem tratada; as mãos claras, os dentes asseados, a tez muito limpa, fina e lustrosa, na sua palidez simpática. No pescoço decotado do, um colar de pérolas. 

Nesse exato momento a corda do violão estourou, e a música cessou de súbito, causando espanto geral.

O noivo de Lindoca, Osvaldo? ouviu com clareza as palavras que a fil pela filha:

- Marido meu não sabe de nada!

E como um louco precipitou-se para cima dela. Abriu sua boca e, com o auxílio de uma colher metálica que retirou do bolso de sua calça de brim, começou a derramar um frasco de remédio na goela da garota.

- O que está acontecendo?, gritou o homem que antes tocava o violão, cheio de estupor.

- Miserável, gritava o marido, derramando o frasco na boca da noiva.

Um policial que estava próximo retirou Osvaldo de cima de Lindoca, que tremia caída no chão. A multidão assistiu o noivo ser algemado e preso, enquanto gritava que a noiva era uma histérica, depravada e imunda.

Entre a multidão, as duas irmãs Sarmentos e seus enormes penteados, estavam muito assustadas. Eram as duas moças de grandes cabelos, muito elogiados e conhecidos na província. Cônscias dessa popularidade, executavam os penteados mais assustadores, de tamanhos fantásticos. E na correria que ocorreu para tirar Osvaldo de cima de Lindoca, ninguém reparou que Leila Beatnik, vestida de preto, cortou um pedaço do cabelo da mulher, enfiou dentro de um envelope plástico e se afastou rapidamente.

Quer dizer, apenas Baudelaire reparou naquela estranha mulher vestida de preto. Durante todo o seu estranho ato com a tesoura, manteve seu olhar sério, de quem encena a natureza trágica da existência. E vestida de preto... Talvez estivesse de luto, lamentando a morte de algum parente. E era tão linda... Não, Baudelaire não a amava, é evidente, mas pensou que poderia ama-la. E que se amasse, talvez tudo fosse diferente. Iria passar escrever mais. E responderia a carte de Mallarmé ainda no Rio de Janeiro. Mallarmé era um editor que lhe encomendara um ensaio sobre o ópio. Baudelaire já havia publicado um artigo sobre o haxixe, de relativo sucesso, e agora fora solicitado para que escrevesse sobre esse novo entorpecente, muito popular em Londres nos últimos anos. Seria esse o primeiro de uma série de novos trabalhos, pensou. De repente, até passaria a receber um salário fixo. E com a estabilidade profissional, ele e Leila talvez pudessem viver juntos. Teriam filhos, e Baudelaire leria para eles deitados na cama trechos das novelas de Dom Quixote, como a mãe lhe fazia na infância. E por que não dar aos filhos um mascote? Baudelaire sempre quis ter um cachorrinho, mas seu pai nunca deixou. E talvez aquela mulher, tão jovenzinha, de nome Leila, talvez ela deixasse. Será que Leila gostava de cãeszinhos?

Mas tão logo Baudelaire percebeu sua presença, Leila Beatnik já havia esvaido-se para todo sempre. Sem que sequer descobrisse seu nome, sem que sequer pudesse registra-la com precisão em sua memória.

Fora uma miragem? Essa dúvida que atormentava o poeta. A aparição daquela mulher devia ser um novo delírio, da mesma ordem de aparições de espíritos e fantasmas que via em todo canto. Seu comportamento tão estranho, sua beleza melancólica, romântica, perfeita...

"Bastava ter uma chance...", pensava Baudelaire sem que isso lhe fizesse parar de andar na direção do endereço indicado. "Era só falar pra ela as palavras certas, fazê-la enxergar tudo isso..."

E ao virar a esquina, deu de cara com o número trinta e sete pintado na larede. Olhou para trás, por cima do ombro, só para constatar mais uma vez que ela estava mesmo perdida para sempre. Pegou o papel e leu mais uma vez: "Seu pao verdadeiro na Rua do Passeio, 37, Rio de Janeiro". Suspirou e entrou no prédio.

Era um escritório ordinário. Perguntou pelo nome de seu pai, José Rodrigues,  mas ninguém sabia a respeito. Procuraram um senhor, que diziam trabalhar ali a mais de vinte anos, e ele lembroi-se de que um José Rodrigues trabalhou sim ali, há mais de dez anos atrás, e que há mais de cinco morrera atropelado. 

Baudelaire voltou para seu quarto de hotel e sentou para escrever. Às três e quarenta, parou de escrever pois achou ouvir um sussurro vindo do lado de fora. Chamava seu nome. Abriu a porta e tudo trevas, ninguém. Decidiu que era melhor tomar ópio e dormir.

No dia seguinte, na cripta de uma igreja, procurou o túmulo de seu pai,mas não encontrou. Bateu nos ataúdes com seus dedos e fez uma oração, esperando assim ter alguma revelação, ou pelo menos invocar a simpatia dos mortos. VUm padre, alto, bonito, de ar sério, ofereceu a bênção e Baudelaire agradeceu.

Saiu daquela igreja rococó que ficava no centro do Rio. A rua apinhada de gente, indo e vindo para seus destinos. Milhões de fantasmas andavam pelas ruas de Paris e de todo o mundo, pensou. Era ainda claro, mas só pensava em dormir. Foi para casa e tomou uma elevada dose de ópio. Quando acordou, no dia seguinte, foi até o porto tomou o navio de volta a Paris.

Ficou esquecido no quarto da hospedaria o papel com o endereço. A criada, uma preta forra, encontrou-lhe sobre a escrivaninha, enquanto arumava o quarto. 

Olhou e, mesmo sendo analfabeta, a criada conseguiu reparar que as coisas escritas estavam em outra língua.

Amassou o papel e jogou na lixeira. Trocou os lençóis. Varreu o chão enquanto cantarolava alguma coisa. Fechou primeiro a porta, depois as janelas, e saiu para arrumar os outros quartos.
 

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