domingo, 18 de dezembro de 2022

DISCURSO PROFERIDO NO PRIMEIRO SARAU FORMAS VAGAS, 2023:

A narração da erudição como aventura: quais as origens de tal topoi? Borges, pelo que me lembro, sentia certa tristeza em seu destino: o de ficar no gabinete, entre livros, e não viver uma vida de guerras e aventuras como os seus ancestrais. Não era certamente as suas fantasias as mais agradáveis para alguém criado entre os descendentes das classe senhorial. Classe senhorial, mas classe senhorial cujos valores já estavam em decadência. Ainda que tivessem condições de sustentar seus modos de vida, eles já não detinham mais a hegemonia ideológica de outrora. É como se o devir cedesse na direção capitalista. Essas histórias, é claro, são perfeitamente românticas: vivem da nostalgia de algo que ninguém viveu. O estranho da literatura é que esse passado não está atrelado a nenhum país. A nenhum tempo. Ou se está, é apenas falsamente. A literatura, instituição moderna, rezada religiosamente por seus fiéis, se parece com uma utopia, de uma pátria nunca existente. E poderia reunir todas as línguas de da Biblioteca de Babel. Por que então interditar o desejo pela literatura? É uma atividade que nos parece estranhamente revolucionária, bastasse que se desvencilhasse de qualquer relação editorial e se constituir desde o socialismo. Marx e Engels mostram que esse desejo burguês é insípido e é ridículo. Que a utopia não é nada mais do que a fantasia dos imbecis idealistas alemães (e de todos os tempos e continentes) se não for posta dentro de planos de subversão materiais. Como quem sugere um milagre, Marx e Engels suscitam no proletariado a dúvida: “como mudar a nossa realidade?”, e então toda a história será feita. Versão, claro, dos idealistas, que narram a história humana como a da sucessão de uma série de ideias. Os materialistas, e desses Marx e Engels eram de um singular tipo, preferem narrar a história com a sucessão de seres materiais: Naturalismo brasileiro, é o caso de um materialismo biológico; que malograva explicar a história da humanidade por meio da história de corpos que nascem, procriam e morrem. Mas de onde nasceu o ser vivo? Essas séries de perguntas que faço para vocês são espécies de escavações arqueológicas a que submeto o discurso, como se interrogasse repetidamente sobre suas condições de origem. É, portanto, uma ciência da ideologia, pois compreende que o discurso, embora ocorra, não é causa do devir: essas são as forças materiais, capazes de manter - e transformar - as vigentes relações e modos de vida. Por isso que o plano de Marx e Engels não era somente escrever sobre a realidade material, mas transformá-la. A pergunta de Deleuze e Guattari insistentemente repõe: quem foi que inventou o desejo? Explico: se desejamos todos alguma coisa, por que desejamos o que temos a desejar? É como se aquilo que desejamos não simplesmente existisse como única realidade possível, mas apenas como uma possibilidade do real. E aqui estou com as canelas afundadas até os pântanos profundos da psicanálise, esse império da narração da vida sentimental. Narração dos sentimentos, é isso que a psicanálise faz. Poderíamos, digamos, rastrear a origem dessa curiosa perversão. Um minucioso idioma para descrever a realidade das paixões, as suas lentas e graduais transformações ao longo da história. (A psicanálise e todas as formas da novela sentimental só são possíveis depois que a ideia de história - isso quem diz é Koselleck - se tornou concebível. E com muito cuidado, o historiador Koselleck demonstra com muita agudeza como o moderno conceito de história diverge dos antecessores. Como que o nosso pensamento tem lugar e tem idade. Em outras palavras, o discurso possui motivos. Encerro essas palavras olhando para o meu São Judas Tadeu que comprei por promessa: graças ao Clube de Regatas do Flamengo, tive que comprar um action-figure de São Judas Tadeu que me custou quarenta reais. Nesse mês, por conta de tais despesas, não pude pagar por minha sessão de psicanálise. E a segunda parte da promessa: pois não bastava ter uma, eu tinha que prometer duas coisas: escrever uma patética auto-ficção em homenagem ao santo, o que concebi, mas apenas sobre o pretexto da paródia. Não sei porque escrevo, mas não escrevo em favor da paródia, como o fazem alguns. Estou falando sério. Adeus.

POR LEILA BEATNIK.

Primeiro Sarau Formas Vagas,

fev. 2023.                                                                / *\ 

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