Pensava seriamente sobre como deve ser um cachorrinho desses de apartamento, que por meio da seleção eugênica teve seu genoma cuidadosamente manipulado pelas sociedades humanas. Observei o formato peculiar de sua fisionomia medonha. Dizem que o crânio do chihuahua, eugenicamente reduzido, provoca-lhe grande cefaleia, e que seu temperamento ruim, sempre prestes a disferir séries de latidinhos irritantes, é na verdade causado por essa comorbidade. o que pensava esse cachorrinho por meio de seu cérebro comprimidos pela caixa craneana? por que sentia-se irritado, ou então furioso, como se estivesse sempre se sentindo ameaçado? de onde vem tanto medo? quais razões obscuras que seu cérebro pequenino engendra? olhei para os olhos enormes que pareciam dóceis, e até melancólicos. devagar, levei a mão até suas costas ossudas e acariciei o pelo bem-cuidado. não era macio, mas era gostoso de passar a mão. ele parece ter gostado, e então tomei coragem de me aproximar. era tão adorável, e tive vontade de esfregar meu rosto no dele, de cobri-lo de beijos e abraços. e tão frágil, pequenino! como devia ser isso, viver no meio de seres humanos horríveis e barulhentos? como pode suportar o estresse que o mundo moderno deve causar em seus sentidos super amplificados de caninos? e passamos assim, não sei quanto tempo, um olhando para o outro. comovido, passei meu dedo delicadamente no focinho do animal e disse, os olhos marejados, "ah, meu bom amigo... só deus saberia dizer o quanto somos parecidos, os dois animais presos em corpos imperfeitos, corpos feios, deformados, que padecem não só das piores misérias das células e genomas, mas das inventadas pelas sociedades humanas. o que fizeram conosco, não é mesmo? e de miséria em miséria, existirá a pior? preciso eu trabalhar e ganhar dinheiro, mas posso comer bifes à parmegiana e chocolate. você é livre, mas para a servil liberdade de um cão: a de deitar, cagar, dormir. quem então é mais feliz, eu, humano, ou você, cachorro?". e ele me respondeu: "john, o que o doutor está me falando? sinceramente, não estou entendendo". olhei triste, como se esperasse outra resposta, mas depois sorri, leniente. dei-lhe um último afago, um beijo no focinho e fui-me embora, pois já estava cansado de conversar com cães.
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