quinta-feira, 30 de maio de 2024

arthur de azevedo, escritor modernista

já falou-se de arthur de azevedo como um cronista oficial da cidade. o título é justo, já que sua prosa curta, publicada sob os títulos mais despretensiosos e corriqueiros em jornais populares, introduziu as classes médias em nossas letras: tanto como um novo público-leitor, diverso daquele culto dos salões e faculdades, como também enquanto matéria de sua ficção, fazendo a linguagem erudita dos gramáticos se encontrar com os assuntos populares. nesse sentido, é certamente um escritor modernista, de obra futurista, antecipadora da desintegração da velha língua palavrosa e eloquente do antigo império, e introdutora da sintaxe apressada e telegráfica jornalística dentro da prosa literária. a posição de arthur de azevedo enquanto literato estaria sempre marcada pela tensão entre o popular e o erudito, entre sua literatura menor e o senso estético das academias:

desde que pela primeira vez me aventurei a rabiscar nos jornais, observei que a massa geral dos leitores dividia-se em dois grupos distintos: um muito pequenino, de pessoas instruídas ou ilustradas, que preocuravam em tudo quanto liam gostoso pasto para os seus sentimentos estéticos, e o outro numeroso, formidável, compacto, de homens do trabalho,  que iam buscar na leitura dos jornais um derivativo para o cansaço do corpo, e exigiam que não lhe falassem senão em linguagem simples, que eles compreendessem. fui assaltado pela preocupação de lhes agradar.

"o que prejudicou a arthur de azevedo", disse tristão de ataíde, com seu senso aristocrático de arte, "foi a sua extrema facilidade de escrever, bem como a necessidade de viver das letras". para tristão de ataíde, era lamentável não a literatura de arthur de azevedo, mas que seu talento estivesse à serviço de fins tão parcos: escrevendo em velocidade impressionante, a poética de arthur de azevedo dispensava o estudo cuidadoso, a correção da frase, a composição rebuscada. não por acaso seu estilo era direto, telegráfico, uma prosa simples que, se não obstante gramaticalmente correta, no senso de estilo era pobre, mas de uma pobreza suficiente para que pudesse ao mesmo tempo escrever velozmente, sem falhar as orações, e em linguagem parca e simples, capaz de agradar seu público fiel de todos os dias.

arthur de azevedo tinha consciência de que, se em sua pena a literatura se fazia com matéria menor, tanto na linguagem simples quanto nos seus temas pequenos burgueses, assim no entanto atingia a dimensão gigantesca do produto de massas: "não solicito a glória nem a imortalidade, mas tenho consciência de não ser um colaborador inútil"; e aquele escritor, oriundo das classes médias, sem esconder certo desdém dos estetas sisudos, de palavreado raro e insosso que abundavam entre os salões da alta sociedade, afirmou: "escrevo, não para os cafés da rua do ouvidor", onde se escondiam esses letrados, "mas para a cidade inteira. gabo-me de ter leitores em todo o país, e como os sirvo com a melhor gramática de que disponho e com todo o bom senso de que sou capaz, conservo tranquila a minha consciência de jornalista".

apesar de suas ironias, arthur de azevedo, como se vê, não deixa de reivindicar valor pedagógico em sua literatura que, não obstante menor, era pelo menos bem servida em termos de escrita correta e de boas lições de moral. se era um poeta sem poesia ou um literato sem literatura, se era chistoso, fazia uso abundante do tom burlesco e constantemente terminava suas histórias com desfechos risonhos, arthur de azevedo contudo tinha a virtude de levar a literatura a um público inculto que aqueles versos bizantinos e superiores dos demais poetas jamais alcançariam. por meio de uma matéria que admitia ser pobre, mas também a possível e adequada ao ritmo industrial do jornal e a cultura de seus leitores, arthur de azevedo escreveu sua literatura.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

ai, minha fama de maldito, 2

O after na casa de Pedro Fernandes estava uma bosta. Gente fumando maconha pelos cantos e fazendo aquela média com todo mundo. Artifício emo...