sábado, 3 de agosto de 2024

16. o destino de lola baruch

fazia frio. lola baruch se envolvia com o único lençol que havia encontrado na casa. em sua cabeça, pensava nas palavras que nina rodrigues havia dito. mas não parecia nina rodrigues: parecia uma gêmea maligna, com penteado diferente e usando maquiagem. chegou de vestido, e de braço dado com telles. a voz, no entanto era a mesma. cumprimentou lola baruch, e perguntou por novidades. lola baruch estacou, olhando ora para nina rodrigues, incrédula com aquele jeito de se portar, ora para telles, de feição séria, levado por ela como um cachorrinho bem-alinhado, com cabelos repartidos, barba feita e um terno engomado. 

lola baruch havia passado alguns dias fora da cidade e, sem aviso, tudo mudou. chegou e descobriu que azevedo diniz estava foragido, acusado de ter violado a irmã cleópatra. não quis acreditar, mas o silêncio de thomas plínio, a quem procurou no seminário, fez que pensasse o pior. 

- venha, disse thomas plinio por fim, venha rezar pela alma de nosso amigo. e beatamente se ajoelho no genuflexório e fechou os olhos.

ola baruch não viu remédio fora fazer uma prece. depois de ditar algumas palavras improvisadas a jesus, abriu o canto do olho e viu que thomas plínio ainda rezava. esperou quase cinco minutos até que ele abrisse os olhos, se levantou e viu que eram observados por um rapaz de pele sebosa e cabelos longos. pelas vestes, era seminarista também. 

- olá, thomas.

- olá, kelvin dibiase, respondeu o outro. os dois passaram a conversar sobre o que havia acontecido a uma freira, lucrécia, que lola baruch não conhecia e cuja história não interessava. depois de alguns instantes se escapuliu. nada no entanto foi mais chocante do que a carta que encontrou ao chegar em casa. um moleque entregou e ela pagou com uma moeda. era de rené descartes, o velho cadeirante, ex-senador, que escrevia a seu pai solicitando sua assistência na conspiração contra o presidente. lola baruch tremeu. tentou fechar a carta, mas o lacre já estava violado. não havia como fingir que não abrira, então atirou a carta no fogo. 

por causa desse ato involuntário, quando o novo presidente foi eleito pela junta provisoriamente que havia tomado o poder, um vizinho que trabalhava no ministério da guerra avisou que a família estava na lista de suspeitos apoiadores do antigo governo. muito provavelmente, explicou, iriam mandar uma patrulha para capturar e torturar o pai de lola baruch. a família então precisou se esconder no campo, pelo menos durante algum tempo. ficaram numa velha cabana, até que um homem entregou passaportes falsos por baixo da porta. viajaram para a argentina. o inverno era rigoroso, a casa não tinha lareira, e seu pai trabalhava como pedreiro. a mãe queria costurar roupas para fora, mas o pai proibiu, porque seria indigno a uma esposa sua que trabalhasse. 

foi então que lola baruch se tornou prostituta, depois que, em certa noite, enquanto caminhava pelo distrito comercial, lugar de noitadas, fez amizade com uma puta de nome beatriz. não sabia se era nome de guerra ou real, mas lola baruch achou poético conhecer beatriz, aquela menina nova, de pele ainda bem cuidada, a voz de menina angelical,  um submundo infernal e portenho, entre marinheiros fedendo a suor e dandies esquisitões que colocavam drogas nas bebidas das mulheres que queriam levar para cama. quando reencontrou beatriz, ela estava acompanhada de condessa rousseau, uma suíça de uns cinquenta e poucos anos de idade que fingia ser uma francesa de quarenta e dois. a maquiagem pesada ajudava no disfarce, pelo menos na meia luz que banhava o submundo de buenos aires. sob a luz clara, a maquiagem de condessa rousseau se tornava uma expeça massa argilosa cor de pele, como uma fina porcelana repleta de sulcos que se moviam junto de seu rosto. condessa rousseau acho lila baruch bonita, bem formada de corpo. depois de dobrar o salário inicial, a menina enfim cedeu. 

- excelente. começamos na próxima noite, disse a condessa, com um sorriso amplo que revelava todas as rachaduras de seu rosto.

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