Foucault afirma que o saber consiste em referir (a) linguagem à linguagem. (As palavras e as coisas, p. 55) Saber é, precisamente, poder endereçar extratos textuais uns aos outros: redistribuir os encontros das retas paralelas e, assim, no espaço infinito em que se encontra toda escritura, diluir sentidos antigos e suplementar novos, fazer um texto falar pela boca de um e calar a de outro.
Trata-se de uma compreensão da linguagem enquanto uma espécie de exegese infinita - não uma exegese na lei, mas uma exegese da lei, já que esta está em perpétuo estado de movimento.
O essencial é notar que, nessa exegese fundamentalmente sem lei, não obstante, vivemos e pensamos sob o patrimônio de um originário: somos condenados a ser nutridos desde um solo, a fazer viagens desde algum lugar, a responder em torno de um nome, em sua graça e tributo, e construir, pelos seus poderes, pelos seus sentidos, o monumento do saber.
O reino despótico do original organiza a proliferação de seu comentário. Fixa seus limites, oferece suas possibilidades, anima seu movimento, sempre por meio da promessa de que seu segredo será restituído. Sob o zeloso trabalho do exegeta existe o patrono desse texto primeiro (que, não obstante, ainda resta descobrir. Em busca do segredo perdido: como sempre estivesse a vir-a-ser-revelado).
A lei do original é o fundamento - solo, base (grund, para falar como alemão) de todo esforço hermenêutico: alicerce primeiro e necessário da construção.
A lei do original é a meta - ao mesmo tempo forma transcendente e alvo que procura a flecha - de todo esforço hermenêutico, mesmo que em seu trabalho se esbarre ou encontre sentidos segundos ou terceiros. Porque o original é verdadeira economia do sentido, a lei que dispõe ao redor do patronímico originário os textos subsidiários.
O original controla a proliferação do sentido, recorta o espaço informe do saber dentro de sua medida, concede ao indefinido a concisão de seu nome. Tudo passa a existir em relação: endereçado ou desviado desse ponto originário.
O original cria vizinhanças. Demarca territórios. Além de suas fronteiras é a terra do outro, do desconhecido: do que vem-a-ser conquistado, ou do que demarca a derrocada dessa império erguido ao redor do original.
Os mapas então serão redesenhados, os tesouros e honras pilhados, a história reescrita, os velhos nomes apagados, as províncias do saber distribuídas mais uma vez, e um novo original irá reinar soberano.
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