sábado, 15 de junho de 2024

diálogo com seteondas sobre "dom casmurro"

MZ: não sei se é boa a reputação de josé dias entre os leitores de "dom casmurro", já que é o clown da novela, mas por baixo de sua eloquência ostentosa, me parece uma alma simples e até inocente. o vício de exagerar as orações, a cerimônia com que trata a todos, a vaidade que pensa passar despercebida, guarda a face de uma criança ainda encantada com o mundo, que brinca com as palavras e se impressiona com a grandeza.

7O: Pra mim ele é o personagem mais interessante fo romance. Sua leitura da inocência se sustenta, mas prefiro lê-lo como sempre fingindo (até mesmo o que deveras sente, como diz o Pessoa) Sendo assim uma persona da falsidade do beletrismo das elites e quase-elites. Somando isso ao (suposto) fingimento de Capitu e ao narrador não-confiável, o resultado é um romance sobre passar os outros pra trás. E um detalhe, a profissão original dele: médico homeopata. O tema velho do charlatão (Molière...) que, sobretudo na homeopatia, segue quente!

MZ: acho que é a leitura convencional. existem vários josé dias em machado de assis. mas como você disse, o "sempre fingido" de pessoa possui uma dimensão que nossa exigência se autenticidade não bem compreende. na própria história, censuram ezequiel, filho de bentinho, pelo gosto de imitar. não é afinal o gosto do beletrista? o gosto pelo teatro? pelo gestual? enfim, fingidor que em algum ponto esquece que finge.... Vejamos diferenças entra a imitação de josé dias e a dissimulação de capitu: o primeiro é infantil, e mesmo estúpido. a segunda não, ela possui domínio da razão: finge com cálculo. são dois níveis diferentes de fingimentos: capitu finge para esconder algo. josé dias finge, mas sem esconder: sabemos que ele finge deveras: é transparente, é um charlatão, um beletrista cortês. ela, ao contrário, dissimulada, sempre guarda a dúvida.

7O: Sim, está aí tb a grandeza da obra. Mesmo à beira da morte - em tese um momento de sinceridade - o agregado não abandona o superlativo. A máscara é teatro mas também é real. Há tb, e é um tema caro ao R. Schwarz, a importância social do agregado como elemento do antigo regime em oposição às relações impessoais de compra e venda de trabalho. Em tese a modernidade descrita por Adam Smith e Marx não teria espaço pro agregado, mas no Rio de 1900 eram bem comuns e talvez nunca tenham sumido até hoje, apenas assumiram novas máscara.

MZ: acho que existe  uma divisão social do fingimento: pelo menos em machado de assis e outros. o tema da dissimulação e do segredo é muito afim às personagens femininas: gestos que ocultam alguma coisa. já aos masculinos, cabe a teoria do medalhão: a ostentação sem nada embaixo. o caso feminino nos leva a uma teoria da linguagem mais modernizada, hermenêutica, em que por baixo da expressão existe um significado oculto. o masculino, como você coloca, remete a uma sociabilidade mais arcaica, em que a linguagem é antes retórica do que conteúdo.

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