sábado, 22 de junho de 2024

ai, minha fama de maldito, 1

acordei as duas da tarde, de ressaca e de roupa de ontem. fui andando já na direção do bar. almocei um prato feito de fígado com batata frita enquanto bebia uma coca zero com gelo. na televisão passava jogo da liga dos campeões da europa: barcelona e borussia dortmund. o garçom, um paraibano de uns trinta e poucos anos chamado robson, viu que eu mirava a televisão e disse sem olhar para mim, o sotaque carregado, que o primeiro jogo foi dois a zero pro borussia dortmund. ficamos batendo papo sobre futebol até terminar de almoçar. era um bom sujeito, esse robson. trabalhava desde sempre no bar. às vezes deixava uma gorjeta de umas cinco pratas pra ele. e ele, como se fosse parte de um acordo, caprichava nas doses que sempre tomava antes de ir. naquele dia tomei campari com água tônica, estava de ressaca. 

saí dali e subi até a boca para comprar uns pinos de pó, os meus haviam acabado ontem, mas ainda tinha nariz para cheirar essa noite. fui para casa e fiquei lendo por umas duas horas sobre a biografia de frederich nietzsche. filho de pastor que morreu quando ele ainda era criança nietzsche foi criado pela mãe. a relação com ela era problemática. talvez isso explique a visão misógina de nietzsche. dizem que amou mulheres: a verdade é que somente amou-as como objetos. para todos efeitos, nietzsche era homossexual. e monogâmico. o único amor de sua vida foi seu velho professor de filologia. um verdadeiro pai substituto, que colocou nietzsche nos trilhos da vida. arranjou para ele uma entrevista na universidade de basel, além do diploma de filosofia necessário para que fosse admitido. um verdadeiro pai, que impõe ao filho uma direção na vida. impede que seja um vagabundo, pra cima e pra baixo, sem aspiração fixa. nietzsche, pelo que dizem, viveu um curto período boêmio, para depois pateticamente se converter a um ideal abstêmio. dizia ser por conta de seu estômago, mas a verdade é que nietzsche tinha a vontade fraca. tão logo enxergou a sombra do pai substituto que sempre procurou, tão logo fez questão de entrar na linha. até quis lutar na guerra para honrar seu país. foi um sujeito patético. a sua obsessão com lou salomé foi apenas mais um documento de sua patetice. a primeira vez que uma mulher inteligente lhe deu atenção, uma mulher que não se interessava somente por solos de piano e bailes no jantar, e caiu de quatro. perseguiu salomé por toda europa, até que ela decidiu se casar. foi esse homem que pateticamente escreveu uma filosofia em que se proclamava senhor de si. sua nobreza era uma tremenda extravagância de sua imaginação. compensação de suas faltas tão latentes como homem. nunca se casou, é claro, assim como nunca realizou suas fantasias urânicas gregas (alguém tão apaixonado pela vida grega como nitzsche era somente pode se desviar da pederastia por muita repressão). contei essas e outras coisas para justina enquanto bebiamos em um bar da lapa. ela ouviu e fez alguns apontamentos sobre minha psicanálise excessivamente falocêntrica. dei de ombros e me justifiquei dizendo que para um homem falocêntrico somente uma psicanálise falocêntrica poderia dar conta. bebemos algumas garrafas até que fomos para seu apartamento no flamengo. 

assim que entramos apertei ela pelo pescoço com força. atirei seu corpo frágil de boneca no sofá e esfreguei meu pau na sua cara. com cara de assustada, ela tirou ele da calça e começou a chupar. enfiei ele fundo em sua garganta e ela cuspiu, ofegante, a saliva escorrendo no chão. beijei ela na boca.

transamos por umas horas, tomamos banho e saímos para jantar com alguns amigos. eram, no caso, dois escritores detestáveis, que no entanto estava tentando me aproximar. para tentar emplacar minha carreira literária. luzia light era uma transexual alta e arrogante que escrevia poesia de quatro versos. não sabia se as pessoas fingiam gostar ou se realmente gostavam daquilo. se gostavam, pensava, é porque poesia se tornou um tipo de decoração ou coisa parecida. nossa sensibilidade entupida de tanta merda não consegue sentir mais nada e se satisfaz quando encontra o jogo de palavras mais estúpido. e luzia light, além de má poetisa, também era desagradável. não deixava ninguém falar. adorava ser o centro das atenções. com ela na mesa sempre estávamos a falar de sua vida ou de seus interesses. ela ditava o rumo da conversa, como uma apresentadora ruim de podcast que não deixa seu convidado seguir o curso de seus pensamentos. e o pior é que luzia light era psicanalista. não conseguia conceber como seria vê-la calada, auscultando o inconsciente de seus pacientes, contendo suas reações, calculando os estímulos que produziria. a outra literata que estava com a gente se chamava marta terra. admito que sua arte não me desagradava tanto. era somente medíocre, como costuma ser medíocre a arte que transforma a pornografia e o choque em finalidade. formada na academia de belas artes, era também pintora, e havia sido adestrada em certo discurso deleuziano sobre o corpo e os afetos que trazia a tona sempre que possível, fosse porque estava sempre lendo ao "anti-édipo" (fazia uns dois anos que postava foto lendo-o na praia), fosse porque tudo que falávamos, por algum motivo, parecia afim da filosofia deleuziana, coisa que demostra ou a pobreza de nossos temas ou a magnitude de deleuze. 

aguentei com disciplina monástica quase duas horas sem cheirar pó. pedi licença, fui até o banheiro e dei uma rajada generosa. limpei com cuidado o nariz, não queria ser percebido. luzia light já havia me pedido um teco e eu disse que estava fraco. ela me olhou atravessado, mas disfarçou: sorriu, disse estar na fissura e mudou o assunto. 

voltei e estavam discutindo sobre comprar pó e ir para uma festinha, e daí deduzi que havia dado pinta que iria cheirar. sempre que um viciado pede para ir ao banheiro desconfiam que ele irá cheirar. de qualquer forma, ligaram para um dealer e em menos de uma hora estavamos indo para a festa abastecido de pó e ketamina. entramos de graça (marta terra era amiga da produção) e queimamos nossa onda por um tempo. estava, como sempre, de óculos escuros. é minha forma de reduzir a ansiedade social que esses lugares lotados me causam. odeio sentir que sou observado. os óculos me produzem a ilusão de que estou invisível. por causa dos óculos escuros, não percebi a aproximação de pedro antunes. pedro antunes era um velho conhecido. um escritor fracassado de quarenta e poucos anos, que no entanto fingia estar na flor da idade. só andava com gente vinte anos mais nova que ele. publicou alguns romances, era conhecido entre os editores da cidade, e isso era suficiente para os aspirantes a escritores lamberem seus pés. como estava tentando ajudar minha carreira, decidi ser simpático com pedro antunes. ele fedia a cigarro e suas pílulas estavam do tamanho de moedas. me abraçou como se fossemos bons amigos. conversamos e ele me convidou para o after no seu apartamento.

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