sábado, 15 de junho de 2024

no término da leitura de "as palavras e as coisas"

com as últimas notas, que crescem em retumbante operística, ainda a ressoar em meus ouvidos, termino enfim "as palavras as coisas". da densa história das ciências humanas, foucault conclui por sua brevidade: nascido velho, o homem encontrará desfecho tão logo aconteça o prometido desfecho. 

se por um lado sua obra é de análise meticulosa, de scholar, pesquisador profissional, por outro ela segue o caminho indicado por sua estrela-guia, nietzsche: confecção de saber que antes de tudo é mapa e bússola, forma de orientação no tempo e espaço do pensamento. estamos no limiar da humanidade, conclui foucault no apêndice profético feito à meticulosa história que escreveu: formado o homem na dispersão da linguagem, quando, no século XX, os indícios indicam seu re-congresso - a literatura, a linguística, o estruturalismo, a psicanálise - por que não concluir então por um desaparecimento desse mesmo homem cujo saber está delimitado por sua natureza finita, no reduplicar empírico-transcendental que lhe põe e lhe pensa no mundo o mundo (e vice-versa), que enxerga no seu pensamento a extensão do impensável a ser coberto pela razão, busca por uma origem ausente e prometida? desculpem se não falo em termos claros, somente tento formular a questão obscura do humano nas palavras que, pelo progresso lento, reiterativo e metódico do livro, foucault faz surgir de maneira clara em nosso espírito. é um livro, portanto, de paciência, cujo saber nasce por um progresso análogo a de uma viagem: não por expedientes conceituais que esclarecem de imediato um ao outro, em economia precisa de significação, mas em experiência em que a paisagem se desenha somente na extensão, nunca na brevidade do instante. por isso a lembrança tão francesa do ensaio cartesiano, que embora não recuse a ordem e o rigor da composição, seus termos estão em seu lugar em relação a uma extensão, uma escritura que ganha sentido na longa duração da espera, da leitura, da meditação, da paciência. um livro, portanto, para se demorar.

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