quinta-feira, 25 de julho de 2024

se marroquino nascesse na frança

se marroquino nascesse na frança seria filósofo. me entregaria a rigidez da lógica, ao alexandrino de mallarmé. escreveria esfinges, que devoraria dos enigmas todas as respostas: meu pensamento me faria poeta. olhar o céu de noite, na saída de um bar, e dividido entre as duras palavras de kant e minha namorada, tomaria meu destino para casa. provavelmente o metrô, que mergulha por dentro da terra. escreveria sinônimos, expandiria o idioma por meio de sua identidade, mas também seria destrutivo, como o martelo de nietzsche ou a gramática de derrida. como se fosse brasileiro, contudo, creio que sentiria-me fora de lugar: seria um impostor ou um fracassado, alguém que não faz sentido estar onde chegou. e por isso, seria marroquino, a sonhar com a existência que alá concedeu ao meus avós. tomaria café e fumaria haxixe com uma cerimonia que as vezes disfarçava, com vergonha de que imaginassem que me sentia ligado à terra. porque não quero ser marroquino, no entanto eu queira ser marroquino. se isso fosse um sonho, por que escolhi ser marroquino? se isso fosse um sonho, por que não a realidade? eu, um marroquino, que enxerga as coisas, pensa as coisas, sente as coisas - a empiria toma conta de todos meus pensamentos depois de tantas leituras de hume - como um marroquino, no entanto, não sou um marroquino. penso em meus ancestrais, se ajoelhando em mesquitas e comprando escravos em mercados. foi assim que aconteceu? não sei, mas sou como se fosse. perguntei certa vez a minha mãe sobre a nossa vida em marrocos. ela parecia não me saber dizer como foi juventude. parecia ter esquecido dos anos que passou em marrocos. ouvia aquelas histórias, que nada diziam, fingindo me satisfazer, mas por dentro frustrado com minha mãe. por que não me contaria de seu passado? não sei, e sem que perceba, escolho não pensar mais nisso. mas, se eu fosse marroquino, jamais conseguiria deixar de pensar nisso.

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