O discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo de Augusto Comte é do ano de 1848. Nele, o filósofo afirma que, por meio da ciência positiva, surgirá uma novíssima moralidade: será um poder e governo superior, assentado em princípios racionais, capazes de intervir na vida social com maior eficácia e felicidade; o intuito de Comte era uma teoria da governabilidade, capaz de apaziguar os ânimos políticos, sair do estágio de discórdia revolucionária, aberto desde a Revolução Francesa, para se adentrar um novo consenso, que reunisse e alinhasse toda a nação em torno de uma lei análoga ao que teria sido a religião no antigo Império Romano ou sob os auspícios do Cristianismo.
Apesar dessa tarefa do pensamento estar assentada sobre uma classe dirigente, uma aristocracia do espírito, formada não por privilégios nobres e direito de nascença, mas pela educação e mérito de seu saber, Comte não deixa de situar a necessidade dessa nova moralidade também sobre as classes dominadas, e mais particularmente, ao proletário a à mulher. Segundo Comte, estes seriam os grandes interessados na concórdia das classes dirigentes, já que, como dominados, isso concorreria também para seu próprio bem. A instalação de uma nova soberania conciliadora, capaz de reorganizar o corpo social, seria então um bem-comum, capaz de beneficiar toda a nação por meio da produção de um estado de bem-estar geral: a paz e prosperidade.
Para compreender a que estímulos esse pensamento respondia, não é forçoso lembrar que esse mesmo ano de 1848 em que se publicou o Discurso foi o mesmo da chamada "primavera dos povos", período reformista e mesmo revolucionário em que se viram consequências políticas da crítica sistemática e ampla que desde muito se fazia ao Antigo Regime e pder monárquico. Na França, a monarquia seria abolida para que se iniciasse a Segunda República. Se o leitor imaginou que a instalação da república e a proclamação do liberalismo eram sinais de que se inaugurou um período de paz e harmonia entre o corpo social, muito engana-se. Apesar daquela breve concórdia, o otimismo de belle epoque, basta nos referirmos aos eventos da Guerra Franco-Prussiana, e ainda, à Comuna de Paris de 1871, para se evidenciar como que os ânimos seguiam elevados, fosse em ambiente nacional ou internacional. E se tivermos em vista a história militar do continente, esta irá desembocar nas guerras mundiais; poderíamos dizer que a esperada moralidade positivista, uma religião fundada na ciência e na razão, não foi muito além de um sonho e um fracasso. E de modo geral, se a expectativa da paz perpétua estava entreaberta desde filósofos pregressos, podemos dizer que foi uma profecia e desejo repetidamente descumpridos pela história, até que, pelo que parece, tenhamos chegado em um paradigma de absoluta descrença no progresso. Claro que me refiro ao que se chama de "realismo capitalista" a que se refere parte da esquerda, mas que os liberais já aviam tratado desde que um fukuyama tratou do fim da história.
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