segunda-feira, 17 de abril de 2023

 outro dia me perguntaram no curiouscat sobre meu tempo e método de leitura. comecei a ler "Oliveira Lima, dom Quixote gordo", singelas 18 páginas, às 13:30. terminei agora a pouco, 16:30. três horas para 18 páginas. sou um leitor lento, de detalhes, e quando compreendi isso passou a me aborrecer e me preocupar muito menos a quantidade de leitura que hoje costumam alardear como virtude intelectual. não que não seja: mas digo que existem diferentes formas de se estudar e de constituir saber. diferentes métodos. o meu exige a lentidão, o deter-se em cada palavra, e como consequência dessa atenção, a anotação prolífica, que amarra cada significante em muitos outros, e que sobretudo, para mim, serve como forma de me mesclar ao texto: anotar no papel é também gravar dentro de mim a escritura que persigo conhecer e pensar.


o raios de se tornar intimo da escritura de um único escritor é começar a enxergar beleza em rasgos mínimos. porque as palavras mais simplórias, dentro dessa economia linguística que começo a montar dentro de mim, passam a adquirir ressonâncias profundas, como se repetissem no frio esbranquiçado do texto o calor que animou as paixões do escrevente. e sabendo da profundidade que palavras como "exílio", "saudade", "viagem", "lar", "amigos", "família" possuem ao longo da obra de freyre, foi doloroso ler a conclusão de seu perfil de oliveira lima, em que à beira da morte, por conta das muitas indisposições políticas e intelectuais que o diplomata e historiador arranjara ao longo da sua vida no brasil, exige da esposa, d. flora, que seja enterrado em washington: "'nada de viagens póstumas'", dizia frequentemente no fim da vida o diplomata que viajara tanto e conhecera tantos e tão estranhos recantos da natureza".


a descrição ultra detalhada que gilberto freyre faz da residência dos oliveira lima... o historiador enumera, e descreve sinteticamente, ao estilo telegráfico de tácito, imagino (trago essa referência de segunda mão, entregue pelo @GarudaDeity), faz com que se ocupe cinco longas páginas com a enumeração de objetos extremamente diversos: retratos, paisagens, bustos, bandeiras antigas, retalhos de tetos de igreja, mapas, autógrafo de alguém ilustre, lança, fotografias de amigos e famílias... que ânsia descritiva...


carta para @italobalthasar

eu sei que a retórica grega e depois a latina se refere a ecphrasis, a descrição vívida e detalhada de um objeto, evento, pessoa e sei que a ecphrasis era um atributo da historiografia, por exemplo mas um procedimento como o catálogo de naves homérico, que contrasta com a ecphrasis por conta da objetividade, da enumeração breve, a evocação de nomes sem maiores detalhes do que o epiteto... saberia dizer se existe algum nome para essa figura retórica?

do latim eu encontrei o enumeratio, do grego o anacephalaeosis, mas parecem mais serem figuras referentes à lógica, a uma sucessão de argumentos, do que algo pictórico, descritivo, como no caso do catálago

resposta de @italobalthasar

rapaz, nomenclatura sobre enumeração em geral é um caos tô tentando sistematizar isso no primeiro capítulo da tese. mas eu n tento colocar em termos de retórica clássica não, discuto mais trabalhos de linguística contemporânea e Homero. então n sei dizer um nome pra figura retórica. eu diria que o "catalogar" em si é uma figura retórica, mas qual o termo q ele teria nos tratados clássicos (se é q ele existe) eu n sei dizer. lembra q eu estudo homero, é pré-retórica


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