Aproxima-se, diante do púlpito, uma mulher de nome indefinido, mas que declara ao microfone seu "ceticismo, e também, inevitável pelas constantes leituras que fiz de Machado durante um mestrado, não soar irônica em meu pessimismo".
Declara também que somente encontrou em tal ocasião "brecha para se expressar, mesmo que não saiba o motivo da expressão", e pediu ao público do congresso que desculpasse qualquer "salto argumentativo [...] porque estava bêbada [...] depois de dois copos de uísque" e que também havia o "rivotril" que disse beber como "passarinho que avoa até bebedouro posto em janela de apartamento miserável".
O que disse em sequência foi o seguinte:
Este enorme edifício que os senhores acadêmicos planejam, este largo empreendimento ficcional que fazem aqui, reunidos de modo tão teatral quanto deputados em câmeras de deputadas... Não, não falo contra os senhores, nem contra seus ofícios, nem mesmo contra a fictícia torre... Ela, afinal, que orienta não apenas os escritos que escrevem aqueles que em sua construção desejam se iniciar..."
(Neste ponto apontou para mim, que defendia minha tese de doutorado)
"Este pobre rapaz, coitado, não falo assim por pena, somente para indicar que a operação que realizou durante alguns anos, e que lhe deve ter ocupado os nervos e as paixões, não importa para nada, não adiciona nenhum tijolo na imaginária torre que constroem por meio do conhecimento..."
(Me olhou e deu um sorrisinho, que me pareceu simpático, de empatia, mas que talvez também fosse de pena).
"O que o rapaz faz, ao escrever e defender uma tese, ao ser cumprimentado pelo senhor..."
(E indicou o Oswaldo Candido, professor emérito do Departamento de História).
"Quando o senhor cumprimenta o rapaz pelo acréscimo que agora se faz à bibliografia acerca de seu tema de pesquisa... Sinto prazer sádico em dizer, mas também tristeza...)
(Voltou a olhar para mim, e parecia genuinamente triste).
"Isto que se refere como contribuição à grande biblioteca do saber é evidentemente uma contribuição fictícia, mas reconheço, eu não sou estúpida, que é sim contribuição para operações maiores!, que este tijolinho que o rapaz acrescenta no enorme e inexistente edifício, se este tijolinho não representa nada, importa por um motivo diverso do imaginado por vocês, bando de positivistas!" (Fez um gesto amplo que abrangeu o auditório e a banca, e a partir deste momento passou a falar diretamente para aqueles que nela estavam sentados).
"A tese deste pobre diabo, o tijolinho que finge adicionar na torre imaginária que o senhor chamou de bibliografia, vou revelar sua qualidade verdadeira: é somente o produto, o objeto magnético e de capacidades mágicas que nos distrai daquilo que faz a máquina do saber girar... A cadeia de projetos, de bancas, de artigos, de bibliografias... as universidades, as editoras… O motivo do movimento jamais importa: é sempre falso, é sempre ilusório, é sempre fictício. Vivemos na mitologia ou no cruzamento de várias: se o mito é falso, então a verdade, o conhecimento, o saber - o grandioso mito que atravessa séculos sob a forma das mais variadas histórias - se o mito é falso, portanto, a verdade é falsa, e estaríamos em uma contradição que nem ao menos seria necessário o serviço de um lógico para solucionar. A verdade é que o mito é real: que o ilusório é real, que o fictício é real, que o falso é real, e que não importa a verdade do movimento, basta o estar-em-movimento".
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