A dissertação que entreguei para obter o título de mestre - hoje percebo melhor do que na época o seu tema - foi dedicada à análise da crítica literária de Jorge Luis Borges, à montagem de uma espécie de “micro-história da literatura” a partir dela - digamos, a história da literatura segundo Borges - e também, - esta é minha parte favorita - sobre os desdobramentos de sua atividade de crítico dentro de sua obra mais formalmente categorizada como ficção.
Em minha opinião, é um trabalho em que não fui capaz de atingir uma qualidade razoável de conjunto, mas certo otimismo faz procurar virtudes mesmo no fracasso: afinal, há pelo menos o esboço de boas ideias, que algum pesquisador melhor preparado poderia delas se servir e fazer coisa bem melhor. O que me parece mais importante em minha dissertação, contudo, foi ter funcionado como espécie de iniciação, estes rituais violentos em que se arrancam pedaços de animais e mutilam pênis de crianças; no caso, a mutilação foram os dois anos de pesquisa, a escrita de um trabalho de cento e poucas páginas, e o processo de atravessar a burocracia de bancas e orientações. A marca que me deixou é contudo indelével, e para ser percebida, assim como no caso da circuncisão, muitas vezes exige o convívio íntimo.
Para falar em termos francos, minha dissertação é meio merda. Há, contudo, dois capítulos que me agradam, e caso seja do interesse do leitor, posso até mesmo enviá-los.
Um deles foi escrito a partir da relação de Borges com o gênero policial, gênero que, além de ter escrito contos, também resenhou assiduamente, ao ponto de ter desenvolvido uma verdadeira poética do policial, cujo mandamento principal, no entanto, era que fosse constantemente des-re-montada (perdão por esta palavra horrível); o outro capítulo que salvaria da fogueira, creio ser meu favorito, é um estudo que fiz a partir das críticas e comentários de Borges sobre a literatura de James Joyce, que flutuou entre o elogio entusiasmado - principalmente na década de 20 - às críticas mais virulentas (essas, se não me enganam, se concentram lá pelos anos 40). De qualquer maneira, identifiquei alguns traços de uma espécie de Ulysses segundo Borges, e busquei demonstrar como ele repercute em alguns de seus contos, especialmente aqueles em que o narrador se coloca a partir da posição de crítico que comenta e decifra a obra de hermético autor (em Borges, a literatura de Joyce aparecia repetidamente assim, como um jogo erudito para críticos ociosos investigarem...).
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