Que viessem portugueses ou estrangeiros para trabalhar nos campos. Que viessem portuguesas "de dose a vinte annos de idade na qualidade de amas substituirem as africanas que tão prejudiciaes nos são na educação das nossas famílias". Mas não portugueses que continuassem a se apossar do comércio de retalhos e cabotagem, reduzindo os brasileiros "á condição de escravos". Não portugueses que, a título de adotivos, viessem participar da nossa política, alguns "dando dinheiro, para se guerrear, aos brasileiros, nas eleições" e "todos agradando os homens do poder contanto que os deixem desfrutar esse manancial de grandeza..." De modo que a 12 de julho de 1850 a linguagem de redatores de jornais como O Conciliador continuava, com relação aos estrangeiros, quase a mesma dos panfletário dos dias, ainda quentes de saNgue, da Revolta Praieira. A mesma linguagem daqueles outros nativistas que, no Rio de Janeiro, pelo O Homem do Povo Fluminense (24 de dezembro de 1840) chamavam aoa portugueses "esta raça de judeus" [...]
Um dos pontos destacados pelo jornal A Revolução de Novembro, em seu editorial de 29 de setembro de 1850, foi precisamente este: a "classe dos agricultores" estava reduzindo-se a uma classe de "pessoas arruinadas pelas dívidas immensas que contrahem com os portugueses..." [...] "os filhos de portugueses" eram pelos pais considerados seus inimigos e "substituidos em suas casas, em seus logares, em suas riquesas, por outros portuguezes, por meio de casamentos com suas filhas..." Os filhos de brasileiros ou mestiços tornavam-sr "os miseráveis da sociedade" isto é, das sociedades comerciais organizadas pelos pais lusitanos que, por uma perversão, econômica e sociologicamente explicável, do sentido - para não dizer "instinto" ao modo de Veblen - de continuidade patriarcal de poder, favoreciam as filhas nas pessoas dos genros vindos de Portugal como caixeiros. Caixeiros quase impossibilitados, pela sua condição de indivíduos nascidos em Portugal, de dispersarem a "fortuna da casa" tornando-se romanticamente poetas, políticos, advogados, doutores, bacharéis, intelectuais brasileiros.
Amigos das mestiças ou mulatas, os portugueses temiam nos mestiços ou mulatos - mesmo quando seus filhos - o romantismo boêmio de brasileiros que, desdenhosos da mercancia e empolgados pelas profissões liberais, pelas belas-letras, pelas belas atrizes, pelo bel-canto, comprometessem a continuidade da riqueza feia e forte conseguida e acumulada com esforço às vezes heróico, embora prosaico e desacompanhado de qualquer música: violão era para brasileiro. Modinha também.
Também banho, sabonete, perfume. O caixeiro português enriquecia com sacrifício do próprio asseio do corpo, no qual às vezes se exagerava o brasileiro. Como se exagerava na boêmia às vezes turbulenta. Temiam os portugueses do Reino na plebe de gente de cor o ódio de miseráveis e, principalmente, de malandros ou vadios - os capoeiras do Rio de Janeiro, de Salvador e do Recife, por exemplo - contra eles, portugueses, mercadores ou ainda caixeiros de sobrados e de loja, enriquecendo penosamente no comércio de charque, de bacalhau, de azeite, de vinho, e não apenas no de escravos.
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