domingo, 2 de junho de 2024

a indiferença de machado de assis

machado de assis é fantástico, mas é estranho que encabece o cânone da literatura brasileira. a escolha de um escritor claramente menor - não confundir com inferior - para ocupar a ponta de nossa mesa de jantar só se justifica por nossa literatura, por princípio, ser coisa menor.

é de cocteau uma frase que dizia nada parecer tanto a um monumento em ruínas do que um monumento em construção. no caso de nossa literatura, nada parece tanto uma ruína em construção do que uma ruína monumentalizada. machado de assis, a despeito de ser vulgarmente considerado princípio de nossa literatura, no entanto parece mais fim que começo.

o leitor, em sincera dúvida, pode me questionar o porquê machado de assis seria tão "claramente menor". para explicar esse fato, teria que correr o risco de definir o que quis dizer tão apressadamente quando chamei-o de menor

não falo menor com a clareza conceitual que poderia remeter, por exemplo, ao trabalho que deleuze e guattari fizeram sobre kafka (embora haja tal gênero de menoridade em machado de assis). 

o autor, patriarca de nossa literatura, no entanto nos legou uma obra em que não é possível fazer escola. não existe "continuadores" de machado de assis. é uma espécie sui generis. como seu brás cubas, não transmitiu a nenhuma criatura o legado de sua miséria: não possuí herdeiros, no máximo bastardos. sua literatura é feita em território arruinado. na impúbere infertilidade de velho amargurado que reside toda a menoridade de machado de assis.

mais do que primeiro, machado de assis é primitivo em nossa literatura. era um narrador gago, como diziam com maldosa precisão. nele, a palavra era travada, em fase de articulação, de cortes indevidos e estranhos. sua literatura representou mais uma regressão pra fase oral em vez de avanço na direção de qualquer fundamento. 

não nos legou qualquer chão, machado de assis: o que nele há de propositivo é fundamentalmente o fim. machado está numa linhagem de ironia e decadência, de ironia da decadência, daquela literatura do século XIX, do que na cabeça do novo século. machado de assis, gaguejando, recolhendo as palavras, um pouco na direção do (gugu) dada: uma linguagem do cansaço da erudição e da cultura, e não de sua fundação. 

se contra o que falo, alegarem que machado de assis foi o pai fundador da academia brasileira de letras, respondo que esta academia é somente mais uma prova de como machado de assis estava ligado ao arcaico que morria do que o novo que haveria (e ainda há, talvez) de surgir. 

como disse, em meu twitter, um tal de cássio "atlas com dor nas costas" fontana, machado de assis foi mais um escritor da indiferença do que da diferença. a distinção proposta me pareceu adequada.

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