quarta-feira, 10 de julho de 2024

"a origem da tragédia" de nietzsche

 "a origem da tragédia" é um livro que supera minhas expectativas. livro de crítica afiada, naquele estilo que realiza a chama análise formal, mas que acrescenta ao afã  analítico, característicos de uma ciência da coisa literária ou retórica, à tentativa de formalizar uma analítica pura da forma e isolar seus elementos constituintes, justamente aquilo que por tais purismo seria desprezado: o excesso e desmedida de um vocabulário das coisas concretas, ou conceitos que demarcam aquela relação promíscua entre a historicidade da obra e do crítico. é abertura do julgamento e da crítica ao mundo do valor que o estudo puro das formas quer interditar. difícil tarefa essa, de definir esse outro do analítico, já que ele seria somente o que esta ideologia busca recalcar: não existe verdadeira oposição entre os dois, pois esse outro é também o próprio do analítico, mas aquilo que ele busca reprimir e deixar na sombra. se no entanto o formalismo elementar em crítica literária é essa força ascética, repressiva e controladora da linguagem, a sua contradição é a força libertina, multiplicadora e desregrada; o crítico que não vai na direção do um, do acabamento perfeito, na língua comum, desprovida de enigma e desencantada, mas na direção da construção de uma outra linguagem, na expansão do instrumental formal para além do que seria convencional instrumento de ciência. 

essa ultrapassagem, que no fundo, em mundos não obcecados pelo gozo objetivista da análise, é desprovida de qualquer glamour ou novidade, somente re-abre a linguagem do crítico para um mundo verbal que, pela disciplina, lhe seria proibido. nietzsche, que certamente não conhecia, pelo menos no grau altamente formalizado e enrijecido que algumas formas de ciência literária viria a adquirir nos cenáculos acadêmicos, esse gênero de crítica, faz então sua análise com instrumentos que poderiam parecer impróprios, em forma que nos parece, em última instância, informe, devido sua liberdade e aparente desordem. o analista de hoje, tal qual anaxágoras, trás inscrito no seu interior, silêncio gravadas por gerações de pregadores insistentes: "no princípio tudo estava confundido; veio então o intelecto e criou a ordem". sua inocência é imaginar que são os paladinos da ordem; sua decadência, precisamente, a cegueira do intelecto. assim como o dioniso nietzscheano, excessivo, contra-intelectivo, a crítica de nietzsche aponta o sentido contrário: ir da ordem intelectualizada para a confusão ensaiada dos conceitos. 

um procedimento que ainda está não a ser entendido exatamente, mas re-descoberto e re-feito.

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