sexta-feira, 12 de julho de 2024

o filósofo de husserl

o filósofo, segundo husserl, é apaixonado por um conhecimento que transcende a práxis da vida natural. é, para todos os efeitos, um espectador desinteressado da vida, um contemplador do mundo, alheio aos problemas e alegrias mundanas, porque de certa forma, embora dependente do mundo, o filósofo não participa, ou ainda, se esforça para não participar do mundo. o filósofo husserliano se caracteriza pela força ascética, pelo movimento de distanciamento que funda o ato da especulação filosófica, transcendente a todas atividades práticas. sua posição é um contínuo colocar-se para-fora, ou ainda, para-cima, para-além, das condições da vida. o filósofo deve mover-se para além da vida enquanto finitude, dirigir-se para fora das determinações de produção (o filósofo, para todos efeitos, não trabalha), das necessidade de reprodução (qual é a relação da filosofia com a sexualidade? com a família? não foi kant, o maior de todos filósofos, que morreu virgem, intocado?), e mesmo do imperativo da comunicação (a incompreensibilidade filosófica funda-se na necessidade de escapar da linguagem, da finitude de seu legislar, e esculpir um idioma próprio, críptico, capaz de nomear e chamar tudo aquilo que as palavras vulgares - construídas para outro mundo, para a vida ordinária, humana - não pode tocar). o filósofo de husserl quer estar não só além do bem e do mal, em sua époche cética, mas estar além do humano, além das condições que determinam o humano transcendentalmente como ser finito: o trabalho, a biologia, a linguagem. somente impondo a si mesmo essa condição sobre-humana que será capaz, enfim, de filosofar e conceber tudo aquilo que o viver-como-humano obscurece sobre o mundo em que o próprio humano vive. 

Neste surpreendente contraste surge a diferença entre a representação do mundo e o mundo real e a nova pergunta pela verdade; não pela verdade cotidiana, vinculada a tradição, mas pela verdade unitária, universalmente válida para todos aqueles que não mais estejam ofuscados pela tradição, uma verdade em si. É próprio, pois, da atitude teórica do fi1ósofo a decisão constante e predeterminada de consagrar toda a sua vida futura a tarefa da teoria, a dar a sua vida um caráter universal, e a construir in infinitum conhecimento teórico sobre conhecimento teórico

(HUSSERL, E. A crise da humanidade europeia e a Filosofia, p. 71).

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