quarta-feira, 10 de julho de 2024

o utilitarista e o hedonista

do utilitarismo, pelo fato de, como toda construção ética, buscar a felicidade, facilmente se confunde com o que se chama, vagamente, de hedonismo, mas somente pela confusão que toda mente utilitária, fundada na ascese e na economia, faz entre felicidade e prazer. essa é a convergência fatal entre filosofia epicurista e utilitarista: o gesto ascético, o controle do desregramento como imperativo de felicidade. o hedonismo verdadeiro, contudo, possui sempre um quê de trágico, um quê de dionisíaco, e mesmo de sádico, em que toda economia somente pode ser justificada perante o acúmulo de um dispêndio ainda mais imperioso. é a moral de marques de sade: o gozo mais intenso somente é possível por meio do cálculo e disciplina preliminar. nisto, talvez, separa-se dois gêneros de hedonista: o vicioso, ou ainda, o viciado, preso na imediatez, na repetição frenética, que acaba por esvaziar todo o prazer lento da espera e da conquista, e aquele hedonista sádico, que faz da demora, da cerimônia e expectativa um meio não de adiar o orgasmo, mas de intensificá-lo. e se o hedonista sádico se assemelha ao utilitário pelo vício na economia, no controle sobre si, é preciso distingui-los pelos seus fins, pelas diferentes felicidades de cada um: se o sádico hedonista antevê e pratica, pela elasticidade e demora do meio, seu desejado gozo, o utilitário como que transforma o meio em fim: seu orgasmo é o acúmulo infinito, o gozo de jamais romper a economia em dispêndio: nesta retenção infinita que justifica toda sua vida. e quando seu corpo, em algum ponto, não tolera tamanha repressão, se ceder, será com dor. todo utilitarista, se vier a ser um hedonista, será para se arrepender, mesmo que para se arrepender mil vezes do prazer que nega outras mil desejar. daí a singular confusão do utilitarismo entre felicidade e prazer: sua felicidade está justamente em negar, pelo culto da utilidade, o dispêndio que tanto lhe daria prazer

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