quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A FANTASIA DO DIREITO, O PESADELO DA HISTÓRIA

Desde o 18 de Brumário de Karl Marx, aprendemos que as formas jurídicas, na modernidade, possui essa estranha representação farsesca. Primeiro, a inesperada ascensão de Napoleão. Depois do golpe que derrubou a república e proclamou a monarquia, a burguesia, pela mudança na lei, dissimulava uma revolução. Se os eventos políticos se anunciam e celebram por meio de todas os meios de espetáculo e propaganda, os meios produtivos, diante da farsesca revolução, no entanto, nada ou quase nada se transformam.

Assim como a experiência do 18 de Brumário, a Proclamação de República Brasileira colocou em curso uma tecnologia espetacular semelhante. A verdade é que o progresso republicano só se fez à custa da manutenção daquilo que seria a verdadeira Lei brasileira: a do patriarcado ruralista. Apesar das querelas entre os modelos de parlamento, e todos elogios que um Joaquim Nabuco rasgou ao sistema inglês, em que o Monarca mantém funções decorativas e simbólicas, pode-se dizer que, no Brasil, a Monarquia também era essa espécie de teatro de fantoches em que se dissimulava o governo daqueles poderosos senhores de terra e de gente. A passagem para a república, proclamada na decorrência da independência, foi meio desse patriarcado se vingar do golpe recebido: a abolição da escravatura.

A abolição, que deveria ser um evento verdadeiramente revolucionário, capaz de transformar profundamente a estrutura produtiva brasileira, no entanto, se demonstrou mais uma farsa jurídica: a manutenção dos laços de dependência análogos ao da escravidão, mesmo depois de estabelecido o trabalho livre, comprova como, por algum motivo, pela influência de alguma força que lhe é contrária, as revoluções políticas parecem sempre ser resfriadas, de modo que todo progresso parece retroceder à ordem.

Se uma república ideal é capaz de orientar a política daquela república que existe em nossa realidade, ela também parece ter esse estranho poder de dissimulação capaz de refrear mesmo as revoluções mais poderosas, como aquela feita pelo proletariado, na Rússia, e de onde nasceria a União Soviética. Não precisamos lembrar como a história desse país contrariou nossas fantasias políticas, ao ponto de hoje estarmos desesperançosos diante do socialismo. O fato é que a despeito da revolução socialista ter se apoderado do aparelho do estado, com seu exército, escolas, instituições, etc, e todas as pretéritas relações de propriedade transformadas, em benefício da posse coletiva da terra e administração do estado, a organização produtiva capitalista ainda oferece uma resistência incrível, como se recusasse a ser transformada.

Não é de se espantar que, ainda para a União Soviética e China se adequam perfeitamente às conceitualidades empregadas por Marx pada compreender a economia burguesa. 

Apesar de toda a tecnologia legal e política implantada desde a revolução, a URSS permanecia, no íntimo, capitalista. Não queremos dizer que essa história burocrática e legal não guarde lições e saberes para novas experiências revolucionárias. O que desejo explicitar foi esse persistente caráter fantasioso, que nos últimos séculos, passou a revestir o Direito.

O estado do Direito enquanto Fantasia Utópica durante a modernidade deve ser inicialmente imaginado como mera característica de uma época: nem prova de sua decadência, nem demonstração de sua nobreza e vitalidade. O idealismo desse Direito republicano ou liberal revela sobre o descompasso entre a infraestrutura e superestrutura nas sociedades industriais e burguesas. Ou ainda, como os supostos progressos da civilização e da cultura, conquistados no nivel da crítica e da discussão pública, e mesmo os poderes conquistados pela luta e conquista dos meios produtivos, demonstram simplesmente insuficientes para descontinuar a tecnologia produtiva capitalista.

A pergunta, um tanto constrangedora que me ocorre, ao mirar o exemplo de mega-nações socialistas, como a URSS foi no passado, e hoje é a China, se somente esse nível se produtividade atingido pelo capitalismo pode sustentar, no contexto de uma guerra geológica, a continuidade de uma revolução do proletariado. E que por mais que se transformem os direitos produtivos, a economia politica capitalista seria necessária para se obter os mais elevados índices de produtividade

Essa dúvida diante da possibilidade de uma revolução súbita impõe ao estado, a despeito de qualquer transformação institucional ou legal, o dever de acelerar sua produtividade e acumular riquezas, já que só assim, com abundantes recursos, que a revolução poderia custear os enormes gastos tecnológicos e profissionais necessários para se proteger das diversas intervenções e táticas das nações capitalistas inimigas. 

O desenvolvimentismo seria assim uma espécie de necessidade, já que somente por meio de incrementos sempre crescentes na produtividade que uma ditadura do proletariado poderia se dar ao luxo de subexistir em um mundo ainda dominado por capitalistas.

Se é esse meio produtivo capitalista que nos dirige ao fim dos tempos, e se somos incapazes de superá-lo, é em parte porque ele é necessário para se viver nesse mundo de escassez e guerra, produzido pelo capital. Espero, contudo, estar equivocado, e que possamos todos despertar desse pesadelo que é a história.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

aforismos sobre o prazer

 1. se o princípio do prazer já foi considerado o guardião da vida, a experiência da dependência química demonstra sem dar margem para dúvid...