1. o prolegomeno genérico
A despeito de qualquer palavra ser capa de abarcar o universo inteiro, aqui me refiro a "patriarcado" estritamente para descrever a colonização do Brasil. Logo, o patriarcado que aqui me refiro é um delimitado espacial e temporalmente, uma época qualquer da história da organização familiar.
Na medida em que o patriarcado descreve um dispositivo genealógico e jurídico que regulam as heranças dos capitais econômicos e políticos desde a diferença entre masculino e feminino.
(O nascimento impõe ao sujeito uma primeira identidade, que no curso da vida, irá desaparecer, embora sobreviva espiritualmente, como memória). À despeito de não se encontrar em qualquer legislação impressa, o parentesco não é uma lei derivativa das disposições da natureza, mas sim uma imposição jurídica que prescinde da letra para que esteja registrada: é uma lei inscrita no arquivo orgânico e interno, aquela memória que às vezes alguma coisa se transmite, mas quase tudo se perde, na reprodução sexual.
2. viva o povo brasileiro
As relações de parentesco existem em relação com a de trabalho e sua reprodução. Somente pela reprodução sexual que pode a economia reproduzir a sua mão de obra (a despeito de todas aventuras automotivas). Foi somente por meio do trabalho que isso aqui surgiu e veio a ser o que hoje chamamos vagamente de Brasil, país extremamente populoso onde vivem milhares de famílias que trabalham.
3. O trabalhismo que tudo faz
é o trabalho tudo que produz. o parentesco, na perspectiva da organização do trabalho, deve ser visto como a forma de organizar a produção da mão de obra que fará tal trabalho. deve ser menos pensada desde a sua justiça ou produtividade (digamos: a melhor ou mais justa família deve ser aquela que mais dá filhos, ou a que dá menos filhos, ou que dá filhos educados, ou que dá filhos miseráveis, etc), mas sim desde a perspectiva holística que a coloca como instância para o movimento de um todo. a organização do sexo, afinal, é o que produz as vidas que os capitalistas empregam para seus meios produtivos. você acha mesmo que não existirá transformações na organização familiar se os meio produtivos claramente se transformam?
4. genealogia política da vida
São as famílias, ainda hoje, que asseguram a transmissão de heranças e direitos de nascença. a família te impõe seu nascimento. por ela, registram o sujeito em determinadas posições do regime produtivo, como se assim imprimisse em seu corpo verdadeiros a prioris que haverão de orientar tal experiência. A preparação pro mercado de trabalho começa já na tenra infância, tal qual a do escravo. para pensar em parentesco, só me parece possível faze-lo não somente como parte de uma economia sentimental e psíquica, representada pelos sofrimentos e desejos pessoais, mas uma economia material e política, que deve explicar como os nossos relacionamentos são também modos de organizar o trabalho total e abstrato da sociedade.
veja a mão de obra escrava, que plantava e cortava a matéria prima dos engenhos, a cana de açúcar. foi para isso que se populou o brasil: para trabalharem na agricultura. para isso foi necessário um meio produtivo muito específico: os úteros africanos, capazes de alimentar as senzalas em que surgiu o brasil.
5. parentesco na senzala
a colonização do brasil foi feita pelas riquezas obtidas sobretudo pela agricultura, e claro, o trabalho de muitos escravos. a história do país é atravessada pelas famílias de grandes fazendeiros, mas perceba que a casa-grande sempre teve uma senzala bem pertinho, para ter capital humano à disposição, pra cuidar da casa, da terra e da vida.
a senzala também precisará se organizar desde necessidades de parentesco. não, contudo, segundo a opressão da natureza eterna, que impõe ao ser um sentido univoco, mas sim a partir das experiências históricas - isso é, feita em cada psicologia individual-, a partir da variedade de meios com que cada um em cada tempo e lugar pode dar matéria ao seu conhecimento ( "intuições empíricas", assim Kant se refere ao que seria a origem de ato que dá origem à representação deum objeto físico ). pode-se facilmente especular sobre as raízes africanas que presidia a jurisdição familiar das senzalas, mas o fato é que agora elas deveriam se conformar com as imposições materiais de estar no Brasil. Não em casa, no seio de sua família, onde todos seguem uma mesma lei, mas em uma senzala, lugar em que se reuniu gente sem qualquer relação de filiação sobre o mesmo teto. O tráfico de escravos, continuamente inserindo novos estrangeiros na senzala, certamente haveria de favorecer uma organização familiar que fosse adequada para recebê-los. Quero dizer que, na história de cada senzala deve-se imaginar um acúmulo da experiência de receber o estrangeiro, ao ponto da comunidade desenvolver códigos para regular essa recepção. (o que são os códigos dos computadores se não os hábitos que lhes permitem pensar?)
A senzala não é somente uma infraestrutura econômica (ela não é somente parte do meio produtivo). A organização produtiva dos escravos deve ser suplementada por aquela organização jurídica e genealógica do parentesco, e tantas ciências mais, desde as quais as senzalas viviam entre si e entre relações com a casa-grande, onde escravas criavam os novos senhores.
alguns conceitos impõe a divisão sexual da linguagem, na medida de que assim, separados entre macho e fêmea, os conceitos historicamente existiram. sabemos que os significados e valores dados a esses viveres de macho e fêmea variavam amplamente. a organização binária do saber cultural se relaciona com as posições assumidas desde um sistema de parentesco que diferencia quais os fins inerentes a uma pessoa: ser bacharel, ser esposa, ser cortador de cana, ser criada, e a lista poderia prosseguir, traçando infinitas coordenadas em que sexo, raça e gênero se reencontram descontínuamente
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