terça-feira, 14 de janeiro de 2025

aforismos sobre o prazer

 1. se o princípio do prazer já foi considerado o guardião da vida, a experiência da dependência química demonstra sem dar margem para dúvidas o poder mortífero do prazer.

2. a psicologia mecanicista muito habilmente confundiu a produção libidinal com simples movimentos de encher e esvaziar, como se o prazer fosse ou um gás que se acumula e depois estira, ou então, seu reverso, um estado de repouso absoluto, subitamente rompido por forças estrangeiras. mas, se como acreditamos, existe alguma verdade nessa mecânica libidinal (freud já havia falado sobre como os saculejos de um trem ou ônibus são capazes de estimular sexualmente seus passageiros), o prazer no entanto não parece nascer nem de um aumento na excitação (orgasmo), e nem de seu oposto (nirvana), muito embora possa ser produzido pelos dois. seria então mais conveniente ver o prazer não como um movimento unidirecional, mas sim como um ritmo, uma cadência coreografada, em que o prazer se produz a partir de cortes e fluxos sucessivos.

3. freud escreve que o nirvana representa a tendência do ser vivo à morte; o prazer e a libido, representam a sua tendência à vida; e ainda, a realidade representa as influências do meio externo sobre o ser. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

ARREBOL QUADRADO 100# um discurso do método a pretexto de um trauma de guerra (feat. garudadeity)

Começo a escrever essas memórias a partir de uma lembrança desprovida de qualquer sentido, vinda do recôndito inconsciente para o claro pensar, sem que eu pudesse dar com as razões precisas para seu aparecimento. Sei que todo pensamento possui uma causa, mas a verdade é que já me alongo demais - em breve preciso sair para tomar ao bonde; passo então ao relato, com a esperança de que ele possa esclarecer sobre as origens dessa erupção mnemônica improvável. 

Como a lava que a terra, em momentos mais importunos, desatina a cuspir de seu recôndito, me veio aquela maneira pausada e cheia de gírias com que Isaías Brasileiro me contava de suas memórias de guerra. 

Antes de passar ao seu discurso de imediato, prefiro fazer breve perfil desse sujeito. Sei que assim não se pode remediar a ausência daquela presença física, do encanto e magnetismo das histórias que saem da boca de seres orgânicos. O papel do livro é muito mais tedioso que o corpo a fazer marabales e gritar palavras belíssimas, mas como meu corpo foi terrivelmente reprimido pelos métodos terapêuticos dos doutores jesuítas, minha língua se paralisou e meu corpo se endureceu em posições predeterminadas pelos exercícios de Ignácio de Loyola.

Todos os rapazes, desde o tempo do colégio, gostavam de ler sobre a guerra. Na verdade, desde os tempos de minha infância, eles já brincavam de polícia e ladrão e, na falta de companhia, pegavam seus bonequinhos de soldados para reencenar as carnificinas da história. Claro que na cabeça da criança tudo é muito inocente, e nada sabem da realidade que um sargento legítimo, como era o caso de Isaías Brasileiro, era testemunha ocular. Ao ouvir Isaías falar-me sobre a realidade da guerra, ele parecia esperar que eu me apavorasse, mas me encantou a descrição da carnificina. Percebendo que estava me divertindo, Isaías foi se soltando, e passou ao relato da vez em que enfiaram uma granada no cu de um prisioneiro. Isaías apostou que dividia o paraguaio em dois; seu companheiro, Erick Von Struck, disse que o fêmur era mais resistente do que aço industrial, e que apesar da avaria causada em todos os órgãos, o corpo do paraguaio preservaria a sua organização contínua. Eles então tiraram o pino, correram para longe e dispararam um tiro na cabeça do prisioneiro. O impacto foi suave, quase não saiu sangue. O paraguaio então caiu, com leveza, ao chão, como se fosse uma pluma, mas com impacto suficiente para acionar o mecanismo da granada e fazer seu corpo ir pelos ares. Depois do estampido, Isaías e Erick se aproximaram, apertando suas carteiras contra os dedos, ansiosos para ver o resultado daquele joguete. Quando Erick alcançou o cadáver, gritou e dançou, cheio de alegria, ao ver que, apesar da barriga do paraguaio ter desaparecido por completo, restando apenas um monte volumoso de tripa e sangue, e que muitos ossos dos braços e pernas tivessem rebentado, a estrutura do corpo continuava de pé, com o crânio inclusive pendendo em um osso do pescoço. 

Claro que Isaías ficou contrariado, e buscou argumentar que os ossos partidos caracterizavam a segmentação de sua estrutura em dois, mas depois que o médico do regimento, o Dr. Fréderik, foi consultado, foi concluído que a separação da estrutura deveria ser aferida a partir da coluna que interligava o fêmur e os membros superiores. "Estando o fêmur, a coluna e o crânio reunidos em um mesmo sistema, mesmo as formas defeituosas de vida podem subexistir", e levou os dois sargentos para um tour em seu laboratório, em que fazia experiências eugênicas com corpos humanos. Passou a mostrar um espécime de sua coleção, "Calibã, o feioso". Não tinha nem pernas nem braços, e se arrastava como uma cobra. Ao ver o doutor, se atirou de sua cama e, com uma velocidade que impressionou os visitantes, correu até Fréderik e passou a se esfregar em suas pernas, como se tentasse subir no colo de seu criador. 

- Chega, Calibã! Chega!, Eu não tenho comida. Vá deitar ou terei que dar a você uma nova sessão de eletrochoques.

O monstro rapidamente murchou e correu para um canto embaixo da mesa. Isaías, contrariado, meteu a mão no bolso e deu a nota para seu companheiro.

Pedi então para que Isaías me contasse algo sobre os campos de batalhas. 

- O que, garoto?

- Qualquer coisa.

- Qualquer coisa o quê?

Fiquei constrangido.

- Sei lá... As armas? 

Ele então fez uma pausa, como se procurasse lembrar, e passou a me contar:

O motor a vapor cuspia redemoinhos sujos e quentes de fumaça no ar, misturando-se à fuligem e ao cheiro azedo de pólvora que infestava o vale. O céu, cinza e opaco, parecia afundar sobre as trincheiras. Homens, encolhidos contra as paredes de terra úmida, apertavam os fuzis com mãos trêmulas e olhos fundos. Suor escorrendo, respiração entrecortada, olhos úmidos, tremor involuntário dos lábios. E então, aquela aberração de ferro e vapor ergueu-se sobre eles.

        A máquina.

        Construção grotesca, carroça de guerra maldita e monstro metálico. Pernas articuladas, grossas como troncos, gemiam sob o peso da plataforma blindada, cuja instabilidade parecia zombar da segurança de tais obras da engenharia. Uma chapa de ferro maciço protegia a frente, amassada e marcada por buracos de munições de outros combates, enquanto, acima dessa, o canhão principal oscilava, como um olho enorme, mecânico e inquieto. Besta faminta, expirando jatos de fumaça espessa. Na traseira, o motor a vapor roncava pelos escapamentos. Engrenagens externas giravam irregularmente, expelindo óleo velho sobre a terra, e os pistões subiam e desciam com tal violência que faziam tremer o solo sob os pés.

        "Avançar!", gritou o tenente, erguendo-se por um instante acima da trincheira e apontando adiante. Sua voz era engolida pelo estrondos, mas os soldados, por memória múscular, um instinto mecânico aprendido na escola da guerra, entenderam, e se dirigiram para a luta. Entenderam e não tiveram escolha. 

No interior da máquina, dois operadores puxavam alavancas, giravam válvulas, ajustavam manômetros em um esforço desesperado para evitar que aquela coisa explodisse antes de cumprir sua função. O motor chiou e vibrou, engasgado. Óleo cuspido do solo. Pistões dispararam com um estalo. A estrutura toda inclinou-se para trás, e como uma rã, se colocou prestes a pular.

        De repente, o salto.

        A máquina ergueu-se do solo com um ruído gutural, deslocando um volume de ar que levantou terra, pedras e detritos ao redor. Um instante de suspensão — a máquina pairando no ar, seu peso desafiando toda lógica — então, o impacto. O chão cedeu sob o peso: a aterrissagem rachou o solo e arremessou pedaços de lama e lascas de trincheiras para todos os lados. A cabine interna balançou como um brinquedo descontrolado e os dois homens lá dentro. Presos por cintos de couro manchados de graxa, bateram a cabeça contra as chapas de ferro que os rodeavam.

        "Alinhar o canhão! Dois graus acima!", gritou um, a voz embargada; o outro, vermelho e suado, obedeceu: girou o volante do mecanismo principal enquanto o canhão erguia-se num ranger metálico. Alvo: trincheira inimiga à frente. Homens espreitavam detrás de barricadas improvisadas, fuzis prontos, mas congelados diante daquela visão que avançava como uma paródia do reino animal e da engenharia mais avançada.

        O disparo rugiu engolindo o próprio som da guerra. A explosão jogou a máquina para trás, seus pistões guinchando sob a potência, enquanto a bola de ferro rasgava o ar em uma trajetória grosseira. Não acertou o alvo — mas isso não importava. A terra explodiu em fragmentos, um buraco abriu-se no chão e gritos atravessaram a fumaça. Alguns homens caíram pelo impacto, muitos caíram pelo puro terror. Alguns tentaram correr, abandonando seus postos; outros permaneceram esmagados pela inércia do medo.

        O operador do canhão olhou para o lado e cuspiu sangue. "De novo?", perguntou, quase sem acreditar aquilo ser possível.

        "De novo." O outro puxou mais uma alavanca. A máquina avançava, preparando-se para um segundo pulo. O motor grunhiu mais alto, vomitando vapor em rajadas frenéticas. A chapa frontal, enegrecida pela fuligem e marcada por impactos recentes, parecia o rosto de um monstro mascarado, cego — perigoso. A máquina inclinou-se para trás novamente, as pernas mecânicas dobrando-se em ângulos estranhos. Era como se o próprio ar se recusasse a ceder passagem àquilo.

        Então, o segundo salto.

        Dessa vez, a máquina pousou em plena linha inimiga. Homens gritaram, dispersando-se em todas as direções. Um projétil de um fuzil acertou uma das pernas da máquina, mas ricocheteou deixando apenhas um arranhão superficial. O canhão girou mais uma vez. Dentro, os operadores lutavam contra a instabilidade, ajustando desesperadamente os controles. Lá fora, a trincheira inimiga desmoronava-se em caos e pânico.

        "Disparar!" O comando, um trovão.

         O impacto destruiu o pouco que restava da estrutura da trincheira à frente, arremessando pedaços de corpos e de barricadas à atmosfera. A fumaça espalhou-se feito manto sufocante, misturando-se à lama e ao sangue que pintavam o solo. No interior da máquina, os operadores lutavam para manter a posição, enquanto o motor ameaçava explodir.

       E, ainda assim, dobrou os joelhos preparando-se para o terceiro salto.

        Nessa ponto da história, Isaías interrompeu a história a pretexto de puxar um pouco de rapé pelo nariz. Não estava acostumado a cheirar rapé, mas me pareceria uma desfeita a Isaías. Não sabia dos efeitos entorpecentes que a matéria causa em algumas sensibilidades mais predispostas. Por isso, acabei adormecendo. 

Acordei em meu pijama, no quarto de visitas. Não lembrava de nada, e me sentia por algum motivo envergonhado. Quando saí, encontrei Branca, a esposa de Isaías, colocando a mesa do café. Fui até ela e dei bom dia. Ela então passou a me contar sobre a noite anterior:


arrebol quadrado 777# viagem ao estrangeiro do cabo marcos e seu encontro com alencastro e tímpano

o falatório interminável. música alta de altos falantes. tímpano, marcos e alencastro caminhavam pela passarela. a selva de pedra de lojas enormes e toldos a fazer sombra. o bafo quente de uma cidade construída com os mais precários recursos nos vales profundos e semi-áridos do sertão de dali. tímpano, que era músico, perguntou para alencastro qual era o seu estilo favorito de música. ela respondeu que era o bolero, e os três ficaram discutindo bem alto sobre as mais belas cantigas 

Tímpano passava o dedo no copo.

— Agustín Lara maior que Lucho Gótica? É absurdo.

Marcos inclinava-se na cadeira, polindo o cabo de sua baioneta com um pano velho.

— Lara escreveu para o México. Lucho é uma voz universal, uma emoção crua e humana. Não tem comparação com um caipira de província recitando cantigas sobre bois.

Alencastro, sentado com as pernas cruzadas, olhava as unhas recém-feitas.

— Vocês esquecem de Toña La. Ela é rainha.

Tímpano se indignou:

- Não fale assim! Ela é boa, mas bolero é um gênero masculino. Vozes graves, melancólicas. Não tem espaço para exagero.

Alencastro rebateu:

— É disso que vocês gostam, então? Homens tristes, abandonados?

Aparece alguém para entregar panfletos religiosos e interrompe:

— Benção, irmã.

— Já sei, porque nosso criador é, etc etc. Não acreditamos em Deus. Saia de nosso caminho.

Marcos pigarreou, secamente, enquanto seguiam.

— Bolero é só música. Muita palavra pra pouca nota.

Tímpano levantou o copo, brindando as palavras sábias do militar. Era sem estudo mas tinha a sabedoria pragmática da vida.

Chegaram na padaria e Marcos deu um salto ao ver as vitrines abarrotada de mercadorias. Marcos olhava para tudo, confuso. Pães dourados, pães brancos, pães grandes, pequenos, com sementes, sem sementes. A boca dele começou a encher de saliva. Ele se aproximou do balcão.

— Quanto é o pão mais barato?

A atendente respondeu sem levantar a cabeça.
— Dez centavos cada.

Marcos quase gritou:

— Dez centavos?!

Ele pediu cinco, comeu ali mesmo, sentado entre Tímpano e Alencastro. Falava de boca cheia, farelos caindo sobre o uniforme.

— Lá em casa não tem isso, não. Pão é coisa rara. É caro demais. Não dá pra comprar.

Ele mastigava rápido, engolindo entre frases. Os outros olhavam em silêncio, até que Alencastro o abraçou pelos ombros. Tímpano fez o mesmo, segurando o braço de Marcos. O soldado olhou para eles, surpreso, mas continuou mastigando. 

Deixaram Marcos na entrada de uma rua mal iluminada. Ele acenou com a mão e desapareceu. No carro, Alencastro estava calado, o olhar fixo na estrada. Tímpano dirigia, tamborilando no volante.

— Tímpano, — disse Alencastro, depois de um longo silêncio. — Preciso dizer uma coisa.

— Diga.

— Eu estou apaixonada por Marcos.

Tímpano riu, mas o riso foi curto.

— Você sempre gosta de quem não te percebe.

Alencastro virou o rosto para a janela, a respiração curta.

O carro seguiu pela noite, sem mais palavras.


domingo, 29 de dezembro de 2024

A ZOOLOGIA DE HEGEL

1.

a primeira obra de arte foi uma bosta. 

hegel relaciona o impulso-de-arte com o desejo e necessidade de cagar. diz ele mais ou menos que, diante do material inorgânico expelido pelos processos metabólicos, o homo faber se apossa da matéria e impõe a ela às formas da imaginação.

para hegel, o cocô é um conceito do intestino.


2.



hegel pensa a morfologia animal igualzinho pensa a filosofia: tudo tende ao absoluto e somente o absoluto é a revelação daqueles traços antes desprovidos de sentido.


3.



o homem - é a síntese e superação em que todos os traços insignificantes (como eram os traçados que os nhambiquaras faziam em suas cabanas: formas irregulares e desprovidas de sentido, grafismo estúpido que não compreendeu a natureza linguística da diferenciação, e que por isso não realizou o seu intuito secreto) de todas demais espécies; para hegel, todas as criaturas querem, mesmo que não saibam que queiram, ser o homem. para hegel, toda a natureza é acometida por essa profunda inveja da anatomia humana. só ela que é a realização perfeita e harmônica da matéria orgânica com a inorgânica; o homem, criatura perfeita, possui a complexidade interna (fisiológica) do verme, sem excluir a beleza externa (fisionômica) do inseto. sua carne é uma dialética viva.


4.


o progresso da dialética hegeliana, apesar de retornos, avança perpetuamente até a perfeição: o homem, o conceito, o estado...


5.


ao falar do canto das aves, se explicita como a hierarquia da história natural (a taxionomia morfológica) se relaciona diretamente a uma hierarquia da manifestação espiritual: a dotação morfológica da ave, que permite que canta, a coloca um passo mais próxima do conceito.


6.

para hegel a morfologia dos animais é compreendida como o produto do conceito. a matéria orgânica do corpo é formado, assim como nas artes plásticas a pedra, sob o intuito do conceito, é formada.
 
para hegel a história natural é o desígnio de uma inteligência eterna; o conceito sempre estava lá, desde o princípio, desde sempre aspirando ascender das formas baixas do monera até atingir a perfeita consciência de si sob a forma da linguagem articulada. 

a aparição do humano é revelação do conceito ideal de corpo que já era intuído pela vida mais rudimentar. o primeiro monera já queria ser o homem.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

A SUTIL ARTE DE CUIDAR DE SEUS ESCRAVOS (Sêneca, carta 47)

Quais são os requisitos para poder ensinar corretamente sobre a administração de uma grande fortuna? Ora, se queremos nos tornar mais sábios, é melhor começarmos por aprendermos quais são as fontes da sapiência e quais são as fontes da estupidez. É melhor nos precavermos para não sermos enganados por farsantes e amadoras, que para roubar nosso patrimônio, fingem ter um saber que no entanto nunca deram provas de ter. 

Para se tornar mestre nas artes econômicas, tal qual acontece em toda arte, é então muito útil saber discriminar entre os farsantes, e gastar nosso curto tempo somente com as lições daqueles que tiveram sua sabedoria testada. A experiência de um sábio é uma questão importante para avaliarmos o valor de seus conhecimentos, e pode ser muito útil para prevenir a nós, reles estudantes, a não cairmos nesses golpes conceituais fundado exclusivamente sobre as fantasias de alguém.

Ora, se assim é com a ciência das riquezas, pensamos sobretudo enquanto gestão do tesouro, ou seja, do acúmulo de dinheiro ou mercadorias, e facilmente esquecemos de como é a força de trabalho que efetivamente cria tais riquezas. Assim, além desse saber do tesouro, a que tantos economistas e comerciantes se dedicam, é necessário aqueles jovens, especialmente aqueles destinados a se tornar líderes e empreendedores de sucesso, que tomem também conselhos de como melhor administrar seu capital humano, já que é deles que provém toda a totalidade de seus ganhos.

Não podemos, contudo, deixar qualquer sofista discursar sobre a arte patronal da administração de seus serviçais. Muito melhor emprego de nosso tempo encontraremos a ler a sabedoria provada pela experiência e pelos costumes de um Sêneca, ao invés de dar ouvido às técnicas que ainda carecem de prova empírica. As teorias precisam ser testadas pela prática; e que exemplo mais feliz de prática administrativa que a do afortunado Sêneca, cuja propriedade era reconhecidamente próspera? E como todo homem de fortunas romano, a riqueza de seu patrimônio não se acumulava somente em metais, mas também em carne viva. Como todo patriarca descendente das famílias da nobreza, Sêneca adquiriu um enorme contingente de riquezas, e sobretudo os vários escravos domésticos, cada um deles educados para uma função específica. Nesse tempo que conviveu tão próximo com essa gente baixa, pensou e refletiu tanto que escreveu um dos mais sábios tratados sobre a administração da propriedade escrava da história, a célebre Carta nº 47 que redigiu ao jovem e inexperiente Lucílio.

Desejava instruir seu amigo na arte patriarcal da administração econômica. Ali, ensina que é melhor cuidar do patrimônio escravo com parcimônia, e evitar os excessos sádicos que muitos patrões cometem contra sua criadagem. Isso, para a sociedade escravocrata da época, acostumada a tratar os escravos como burros de carga, deveria certamente soar como um risco aos costumes e à toda vida econômica da nação romana. Que Sêneca recomendava tratar bem a seus escravos é porque pensou contra o costume, e deu com uma melhor técnica administrativa dos cativos. Bem, dizem que o saber se aperfeiçoa pela experiência. Aprendemos a arte de amar somente ao custo de corações partidos. Quantos escravos teve de Sêneca machucar antes de perceber que esses métodos violentos eram antiquados, e que era muito mais sábio deixar que o escravo - especialmente os melhores e mais naturalmente dotados - recebessem algumas regalias, alguns confortos, alguns presentes e favores, como comer na mesa e até mesmo o direito de falar com o patrão?

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Encerro aqui minhas reflexões porque já é tarde e tenho sono depois de um longo dia escrevendo sobre o nascimento da vida e a morte de deus. Meu intuito com essa breve notícia foi somente dar ao leitor alguma oportunidade de travar contato com isso que afinal foi o estoicismo, em todas as suas as partes, e não apenas aquelas que os youtubers e influencers de filosofia procuram mostrar. Por isso, me dei ao trabalho de escrever esse breve ensaio sobre a tão pouco falada arte que os estoicos inventaram com o intuito de instruir os futuros patriarcas e prepará-los adequadamente às suas funções de mando e administração de patrimônio.

Especialmente, importa esclarecer qual seria a verdadeira finalidade do estoicismo. Essa transparece quando tomamos os tratados morais de Sêneca não somente na lógica do autocuidado com que geralmente se alardeia, mas como uma verdadeira arte do cuidado patronal. Nada disso é por acaso, é claro: quem melhor do que um senhor de escravos para escrever como os senhores devem administrar sua economia (ekos-nomia)?

Que essa "filosofia" da gestão dos escravos hoje entusiasme aos patrões, é muito compreensível. Mais estranho, no entanto, é porque produza tanto fascínio em gente que vai passar a vida ganhando mal e sofrendo da grande instabilidade econômica e existencial de nossa época.


PS: Sêneca apenas está explicando para a classe dominante da melhor maneira de tirar proveito do corpo de seus escravos domésticos. Ou ainda: Como ter escravos melhores 101.

Ele é um grande ideólogo da arte econômica (a palavra oikonomía se referia à arte de administração patrimonial, ou seja, do tesouro e dos escravos). era um saber destinado aos futuros patriarcas, e visava instruí-los a tratar um escravo da mesma maneira que parecia correto um governante superior e virtuoso tratar mesmo ao povo mais vil. Não que fosse bondade: era somente porque era do interesse da casa-grande. Perto dos senhores, é importante escravos lindos, bem-educados e cheirosos. Fabrica-se uma pequena aristocracia da servidão para melhor servir os patrões. E também para embelezar a casa, é claro. O resto, a massa de imundos e doentes, feio e mutilado pela exploração, fica bem longe, ou no eito, ou recolhido em sua senzala.

Não se deixe enganar pelas palavras belas dos patrões e de seus lacaios alienados que desejam envenenar-lhe com imagens grandiosas e heróicas de quem na verdade era uma grande canalha. Sêneca era um escravista e escrevia para ensinar escravistas. Esse era o fim de suas reflexões sobre a moral. Era esse o fim pedagógico último de sua filosofia estoica: formar filhos do patriarcado dirigente, tal qual aquele Lucílio para quem escrevia.

A arte econômica de Sêneca tem o seguinte fim: Perpetuar uma estirpe no poder. Manter os direitos de propriedade dos escravos e terras. Não tomem Sêneca como um filósofo liberal, que acreditava na igualdade humana. Escreve, esse ideólogo da escravidão o seguinte, com o intuito de contradizer qualquer um que viesse a entender suas lições como um gênero de abolicionismo; trata-se, na verdade, apenas de uma outra pedagogia da dominação: "eu proponho que escravos respeitem seus mestres em vez de temê-los", escreveu Sêneca no parágrafo 19 da Carta 47.

Se examinamos o documento, podemos verificar que o autor esclarecia sua proposta antes aprimorar a arte da escravidão, indicando que a educação da mão-de-obra escrava é importante sobretudo para a vida doméstica ordenada e bela. 

Era maneira de se antecipar a quem sustentasse, contra Sêneca, de que ele estava de alguma forma defendendo a" libertação dos escravos em geral e roubando senhores de sua propriedade", simplesmente porque propõe "que escravos respeitem seus mestres em vez de temê-los". (parágrafo 18)

Claro, é muito conveniente aos donos de patrimônio que estejam sendo disseminados esse gênero que naturaliza a escravidão como ordem natural. Existe muita gente ganhando dinheiro para disseminar esse saber da exploração da mão de obra. Mas não se deixem enganar pelo discurso adocicado do amor ao subalterno: ele é pura hipocrisia. No fim do dia, sabemos quem vai dormir na senzala, passando frio e fome, e quem quem vai dormir na casa-grande, cercado de ouro e luxo.

 Muitas filosofias constituem antes em um sistema de mentiras do que de verdades. Os ideólogos podem repetir mil vezes que Sêneca dava lições de fraternidade e amor universal; qualquer um que lê seus escritos, no entanto, sabe bem o que ele verdadeiramente fazia e pensava; ora, não é Sêneca justamente aquele a quem Barthes caracterizou pela hipocrisia dos ensinamentos? 

"O amor das riquezas, ao longo da história da Filosofia, se fez um tópos pejorativo, mas sempre à custa de uma hipocrisia constante: Sêneca, o homem dos oitenta milhões de sestércios, declarava ser necessário desfazer-se de imediato das riquezas".

(BARTHES, R. Sade, Fourier, Loyola, p. 96, acrescido de pequenas modificações) .

Escondida nessas lições de amor e fraternidade que hoje são verdadeiros sucessos editorial entre as editoras mais duvidosas, se enfia essa ideologia criada para a formação dos jovens senhores. O estoicismo é pouco mais do que isso: uma arte da escravidão suave.

ps 2: 

1. primeiro, evidente que existe mobilidade social em Roma. toda sociedade, mesmo as mais estamentárias, possuem uma flexibilidade na divisão do trabalho. escrevo isso pra me referir ao epiteto: que tenha ele se tornado filósofo é menos preciso do que a verdade: ele se tornou professor. isso era uma função exercida por escravos e ex-escravos. os romanos verdadeiramente livres se educavam para trabalhar com a coisa pública, e o ensino era considerado uma arte privada. repare que os professores de sêneca são todos estrangeiros: Átilo e Sótio eram estrangeiros vindo de Alexandria, e não cidadão romano. Ensinar filosofia era coisa de gente inferior, os verdadeiros aristocráticas aprendiam ela para depois ir às coisas públicas e sérias.

2. Assim Sêneca começa sua carta: "Fico feliz em saber, através daqueles que vêm de você, que vive em termos amigáveis com seus escravos. Isto convém a um homem sensato e bem-educado como você". Um homem bem-educado sabe como convém tratar a criadagem para conseguir ter sua fidelidade" Sêneca diz ficar feliz quando vê alguém tratando bem aos seus escravos, porque essa é a melhor maneira de um homem culto e erudito educar os seus servos. SÊNECA NUNCA QUESTIONA A HIERARQUIA ENTRE HOMENS SUPERIORES E INFERIORES. “Viva com seu inferior como você quer que seu superior viva com você", ele recomenda, e não viva com todos os homens como se fossem seus iguais. Sêneca defendia a escravidão.

3. Tudo que Sêneca escreve se refere à educação de escravos domésticos, e não aqueles que realizavam trabalhos pesados em oficinas e sobretudo eitos agrícolas. Reparem que, quando passa a denunciar o mal trato de escravos (emprega até mesmo imagens grotescas sobre vômito e secreções corporais), ele se refere exclusivamente dos ESCRAVOS DOMÉSTICOS, treinados para servir a família no lar, e que por isso, precisavam conviver com intimidade e proximidade. Sêneca ensina essa convivência aos senhores, para que não estraguem seus escravos com seus abusos.

Lembrará dos bons tempos da escravidão, quando escravo e senhor não eram inimigos, e até mesmo conversavam; diz Sêneca que essa educação criava escravos verdadeiramente fiéis, e que por isso deveria ser estimulada. O bom escravo é entendido por ele como um cão fiel bem adestrado pelo dono:

"Os escravos dos dias passados, que tinham permissão para conversar não só na presença de seu amo, mas na verdade com ele, cujas bocas não estavam caladas, estavam prontos a expor seu pescoço a seu senhor, a trazer à própria cabeça qualquer perigo que o ameaçasse; eles falavam na festa, mas ficavam em silêncio sob tortura". (parágrafo 4)

SÊNECA ESCREVEU UMA ARTE DA ESCRAVIDÃO, DE COMO ESCRAVIZAR MELHOR. COMO TER ESCRAVOS MAIS FIÉIS E SOLÍCITOS. É UM ENSINAMENTO AOS JOVENS HERDEIROS QUE TERÃO QUE ADMINISTRAR AS ECONOMIAS DOMÉSTICAS DOS PAPAIS PATRIARCAS.

4: sobre a palavra humanitas, que você se referiu, mas que fiz questão de verificar no original em latim para ter ser certeva que ela não é empregada. Na verdade, mais uma vez você demonstra não conhecer nada de história romana. Vou lhe explicar de graça mais uma vez:

Em Roma, humanitas não era empregada no sentido de uma humanidade universal e isonômica, como se faz na modernidade ao falar, por exemplo, em direitos humanos. O sentido que a palavra tinha em Roma o era justamente o oposto; se referia não à humanidade como dotada de um direito comum e universal, mas sim a um processo pedagógico e educativo restrito à nobreza, em sentido parecido com que se referiam a paideia em Atenas.

Ou seja, a humanitas descrevia as virtudes não de todo o gênero humano, mas daqueles homens livres , donos de escravos e propriedades. Esse uso de humanitas remete a um outro conceito romano, que na modernidade também teve seu sentido desviado: quando em Roma se falava em artes liberais, se referia às artes próprias dos homens livres; trata-se de um conjunto de prescrições doutrinárias e técnicas que todo cidadão romano elevado deveria ter, como conhecimentos em retórica, dialética e eloquência, saberes administrativo relativos à economia da casa, conhecimento profundo na legislação e nas práticas do estado, etc. São VIRTUDES QUE DEVEM TER OS ADMINISTRADORES: a arte da fala para o tribunal e parlamento, a ciência da economia da casa e do estado, etc.

Portanto, humanitas sequer tem a ver com universalidade humana, no sentido isonômico moderno; e ao contrário, é um conceito fundado pela distinção entre homens educados para serem senhores e homens educados para serem escravos, entre quem tem a paideia aristocrática e quem se educa com as ars técnicas e operárias (desde o trabalho doméstico, até a produção agrícula e o exercício de artes menores como a medicina, a carpintaria, etc):

"Outro escravo fatia as preciosas aves de caça; com traços seguros e mão hábil ele corta fatias selecionadas ao longo do peito ou da coxa. Companheiro infeliz, que vive apenas com o propósito de cortar perus corretamente – a menos que, de fato, outro homem seja ainda mais infeliz do que ele, que ensina esta arte por prazer, ao invés de quem aprende isso por dever" (parágrafo 6)

O escravo se destina a aprender essas artes manuais, as artes dos servos, e não as artes do homem livre. isso se chama divisão do trabalho. A pedagogia que Sêneca propõe ao escravo é uma pedagogia da servidão: aprender a ter prazer e amor ao servir ao mestre. É uma fábrica de cordeirinhos. É educa-los para a servidão.

Se você verificar o texto em latim, verá que se escreve o seguinte:

"Alius pretiosas aves scindit; per pectus et clunes certis ductibus circumferens eruditam manum frusta excutit, infelix, qui huic uni rei vivit, ut altilia decenter secet, nisi quod miserior est qui hoc voluptatis causā docet quam qui necessitatis discit. 

ou, em português:

"Outro escravo fatia as preciosas aves de caça; com traços seguros e mão hábil ele corta fatias selecionadas ao longo do peito ou da coxa. Companheiro infeliz, que vive apenas com o propósito de cortar perus corretamente – a menos que, de fato, outro homem seja ainda mais infeliz do que ele, que ensina esta arte por prazer, ao invés de quem aprende isso por dever."

Destaquei em itálico a palavra docet, que alude ao verbo docere que costuma ser traduzido como ensinar. A tradução, no entanto, não esclarece uma coisa importante: havia uma arte docente adequada para formar aos servos, os estratos mais inferiores da plebe, e uma outra para formar os grandes homens Um cidadão romano superior era treinado tanto para lidar com seus iguais tanto com seus subalternos; ao falar com este, procurava docere, delectare, movere: ensinar e deleitar, como o fim de direcioná-los a um fim favorável. Sim, os romanos aprendiam a manipular seus escravos, e Sêneca era um dos seus inventores dessa arte da adulação. Como escreveu um historiador:

"No Iluminismo, porém, vige o Antigo Regime. Isto é, a classe comerciante não ascendeu ainda plenamente ao poder. Numa monarquia absoluta, toda reflexão acerca do poder gira em torno do governante, o que torna interessante observar portanto os discursos morais endereçados aos futuros monarcas quando de sua educação. Esse trabalho fica sempre a cargo de um membro do clero, o “preceptor”, que se valerá do melhor da tradição moral cristã para formar o futuro monarca. Trata-se de uma tradição que remonta, porém, a Roma antes da cristandade. Os “espelhos do príncipe”, gênero cujo pioneiro é, salvo engano, Sêneca escrevendo ao jovem Nero (que augúrio), se tornam o modelo mesmo de instrução moral para quem há de ocupar o poder de um reino."

https://loryenipsum.medium.com/bajula%C3%A7%C3%A3o-e-domina%C3%A7%C3%A3o-74f236a72e28

(SÊNECA, Carta 47https://www.estoico.com.br/934/carta-47-sobre-mestre-e-escravo/)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

NIETZSCHE INSULTA RENAN

Estava lendo O crepúsculo dos Ídolos e lá Nietzsche dirige um epigrama contra Renan, um filósofo francês que hoje ninguém mas lê, mas que até o início do século XX era ainda popular. Para Nietzsche, não havia qualquer restrição filosófica para que a filosofia não fosse feita por meio de insultos. E como grande especialista nessa arte, que escreve o seguinte sobre Renan:

Renan. — Teologia, ou a corrupção da razão pelo “pecado original” (o cristianismo). Testemunha disso é Renan, que, quando arrisca um Sim ou um Não de natureza mais geral, erra o alvo com penosa regularidade. Ele gostaria, por exemplo, de unir la science [a ciência] e la noblesse [nobreza]: mas a science é coisa da democracia, isso é algo bem palpável. Ele deseja, com ambição nada pequena, representar um aristocratismo do espírito: mas, ao mesmo tempo, põe-se de joelhos ante a doutrina oposta, o évangile des humbles [evangelho dos humildes], e não apenas de joelhos... De que serve todo o livre-pensamento, toda a modernidade, zombaria e volúvel flexibilidade, se em suas entranhas o indivíduo permanece cristão, católico e até sacerdote! Renan tem sua inventividade na sedução, exatamente como um jesuíta e um confessor; à sua espiritualidade não falta o amplo sorriso de padre — como todo sacerdote, ele se torna perigoso apenas quando ama. Ninguém o iguala nisso, em adorar de uma maneira mortalmente perigosa... Esse espírito de Renan, um espírito que enfraquece o nervo, é uma fatalidade mais para a pobre, doente França, doente da vontade. —Renan. — Teologia, ou a corrupção da razão pelo “pecado original” (o cristianismo). Testemunha disso é Renan, que, quando arrisca um Sim ou um Não de natureza mais geral, erra o alvo com penosa regularidade. Ele gostaria, por exemplo, de unir la science [a ciência] e la noblesse [nobreza]: mas a science é coisa da democracia, isso é algo bem palpável. Ele deseja, com ambição nada pequena, representar um aristocratismo do espírito: mas, ao mesmo tempo, põe-se de joelhos ante a doutrina oposta, o évangile des humbles [evangelho dos humildes], e não apenas de joelhos... De que serve todo o livre-pensamento, toda a modernidade, zombaria e volúvel flexibilidade, se em suas entranhas o indivíduo permanece cristão, católico e até sacerdote! Renan tem sua inventividade na sedução, exatamente como um jesuíta e um confessor; à sua espiritualidade não falta o amplo sorriso de padre — como todo sacerdote, ele se torna perigoso apenas quando ama. Ninguém o iguala nisso, em adorar de uma maneira mortalmente perigosa... Esse espírito de Renan, um espírito que enfraquece o nervo, é uma fatalidade mais para a pobre, doente França, doente da vontade. —

domingo, 15 de dezembro de 2024

anotações sobre AMAR, VERBO INTRANSITIVO, de MÁRIO DE ANDRADE.

A intransitividade do amor parece sugerir o fulgor do desejo, que se conecta em detrimento das raças. Amar, verbo intransitivo, é um romance de um amor mestiço. Narra o idílio amoroso entre uma professora alemã e um jovem rapaz brasileiro e de origens portuguesa.

A família luso-brasileira se representa de forma grosseira, com tendência a ressaltar os traços cômicos do naturalismo (o suor, a sujeira, a protuberância e feiura dos corpos...); são simples comerciantes, com a cabeça nos cálculos econômicos e nos hábitos mais corpóreos e terrenos.

Contraste com a representação de Fraulein, a professora alemã, como um tipo ideal, linda e loura, cujo instintos pareciam determinar-lhe os gostos elevados dos arianos, a sua vasta cultura de Goethe, de feição contemplativa e imune às mundanidades das paixões baixas. 

Ora, o desejo que ela sente pelo aluno será narrado como uma sucessão de sensações novas, que fazem aquele corpo frígido de alemã conhecer torpores sentimentais até antes desconhecidos. Se é o romance da formação de Carlos, o aluno brasileiro por ela educado sentimental e intelectualmente - lembre-se que Fraulein deveria iniciar Carlos nos negócios das letras e do sexo -, esse é também um romance de re-educação dessa moça alemã, que sofrerá dos mais variados estados passionais sob a influência do rapaz.

aforismos sobre o prazer

 1. se o princípio do prazer já foi considerado o guardião da vida, a experiência da dependência química demonstra sem dar margem para dúvid...